São José, esposo de Maria e Patrono da Igreja: uma reflexão litúrgica-bíblica-pastoral

Artigo de Pe. João Benedito da Cunha Alves, SDB-BMA

A oração coleta1 da liturgia do dia 19 de março situa São José no Mistério da Salvação. São José é apresentado como aquele que reza por nós junto a Deus: “[…] pelas preces de São José […]”, que recebeu uma missão de Deus Pai:“[…] a quem confiaste as primícias da Igreja […]”, e intercede e ajuda a Igreja chegar à plenitude: “[…] concedei que ela possa levar à plenitude os mistérios da salvação […]”. Esses elementos destacados evidenciam o dinamismo da vida e missão de José no Mistério da Salvação. De fato, “José foi chamado por Deus para servir diretamente a Pessoa e a missão de Jesus, mediante o exercício da sua paternidade: desse modo, precisamente, ele cooperou no grande Mistério da Redenção, quando chega a plenitude dos tempos, e é verdadeiramente ministro da salvação”. 2

São José estava presente e atuante no início do Mistério da Salvação, ou seja, na encarnação de Jesus. “O Filho do Todo-Poderoso vem ao mundo, assumindo uma condição de grande fragilidade. Necessita de José para ser defendido, protegido, cuidado e criado. Deus confia neste homem, e o mesmo faz Maria, que encontra em José aquele que não só Lhe quer salvar a vida, mas sempre A sustentará, a Ela e ao Menino”.3 Por isso, São José é o patrono da Igreja, pois “a Igreja é o prolongamento do Corpo de Cristo na história, e, ao mesmo tempo, na maternidade da Igreja, espelha-se a maternidade de Maria. José continua a proteger a Igreja, continua a proteger o Menino e sua mãe; e também nós […]”.4 Na vida pública, no calvário, na ressurreição e no Pentecostes, José não esteve presente, pois tinha partido para a eternidade. Porém, o Mistério da Salvação está presente na totalidade da pessoa de Jesus Cristo, que se realizou na história, mas vai além da história. Nesta perspectiva, podemos afirmar que José participa de toda obra redentora do Filho de Deus. “Por este seu papel na história da salvação, São José é um pai que foi sempre amado pelo povo cristão […]. Muitos Santos e Santas foram seus devotos apaixonados, entre os quais se encontra Teresa de Ávila que o adotou como advogado e intercessor”.5

São José ainda hoje continua a sua missão. “Com efeito, a missão específica dos Santos não é apenas a de conceder milagres e graças, mas interceder por nós diante de Deus […] Os santos ajudam todos os fiéis ‘a tender à santidade e perfeição do próprio estado’. A sua vida é uma prova concreta de que é possível viver o Evangelho”.6 Por isso, seguiremos refletindo sobre São José, Esposo de Maria e Patrono da Igreja, à luz da Palavra de Deus proclamada na liturgia da sua Solenidade.

Naqueles dias, a Palavra do Senhor foi dirigida a Natã nestes termos: Vai dizer ao meu servo Davi: Assim fala o Senhor: Quando chegar o fim dos teus dias e repousares com teus pais, então, suscitarei, depois de ti, um filho teu, e confirmarei a sua realeza. Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho. Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre diante de mim, e teu trono será firme para sempre. (Primeira leitura: 2Sm 7,4-5a.12-14a.16)

Segundo a tradição bíblica, José é da família de Davi. No sonho, inclusive, o anjo do Senhor o chama de “filho de Davi”. A grandeza da história de Davi não reside em seus empreendimentos, no seu valor militar ou na sua clareza política, mas, sim, na promessa que Deus lhe faz. O capítulo sétimo do Segundo Livro de Samuel narra o ponto central da história de Davi. Por meio do Profeta Natã, Deus comunica a Davi a supremacia da sua Palavra que edificará uma casa; ou que, também, pode ser compreendida como uma descendência ou dinastia. A vida de Davi chegará ao fim, mas a promessa de Deus seguirá em frente por meio dos seus descendentes suscitados por Ele. São José é, para nós, o filho de Davi que levou à plenitude a promessa de Deus por meio do exercício da sua paternidade para com o Filho de Deus; por isso a sua descendência durará eternamente.

Eis que a sua descendência durará eternamente.

Ó, Senhor, eu cantarei eternamente o vosso amor, de geração em geração eu cantarei vossa verdade! Porque dissestes: ‘O amor é garantido para sempre!’ E a vossa lealdade é tão firme como os céus.

‘Eu firmei uma Aliança com meu servo, meu eleito, e eu fiz um juramento a Davi, meu servidor. Para sempre, no teu trono, firmarei tua linhagem, de geração em geração garantirei o teu reinado!’

Ele, então, me invocará: ‘ó Senhor, vós sois meu Pai, sois meu Deus, sois meu Rochedo, onde encontro a salvação!’ Guardarei eternamente para ele a minha graça e com ele firmarei minha Aliança indissolúvel. (Salmo: Sl 88(89),2-3.4-5.27 e 29 ‘R. 37’).

O Salmo é um louvor a Deus. Um canto de agradecimento pela fidelidade e cumprimento de suas promessas. Nós damos testemunho, na vida cotidiana e na assembleia litúrgica, que, em Jesus Cristo, se cumpriu plenamente o plano redentor de Deus, do qual São José participou na terra e continua participando na glória eterna de Deus.

Irmãos: Não foi por causa da Lei, mas por causa da justiça que vem da fé, que Deus prometeu o mundo como herança a Abraão ou à sua descendência. É em virtude da fé que alguém se torna herdeiro. Logo, a condição de herdeiro é uma graça, um dom gratuito, e a promessa de Deus continua valendo para toda a descendência de Abraão, tanto para a descendência que se apega à Lei, quanto para a que se apoia somente na fé de Abraão, que é o pai de todos nós. Pois está escrito: ‘Eu fiz de ti pai de muitos povos’. Ele é pai diante de Deus, porque creu em Deus que vivifica os mortos e faz existir o que antes não existia. Contra toda a humana esperança, ele firmou-se na esperança e na fé. Assim, tornou-se pai de muitos povos, conforme lhe fora dito: ‘Assim será a tua posteridade’. Esta sua atitude de fé lhe foi creditada como justiça. (II Leitura: Rm 4,13.16-18.22).

Abraão, contra toda humana esperança, firmou-se na fé. Podemos compreender a vida de São José como um homem que viveu da fé. A última frase dessa leitura se encaixa perfeitamente na vida e na história de José: “Esta sua atitude de fé lhe foi creditada como justiça”. Por isso, José era conhecido como “o justo”. A fé em Deus que nos foi revelada em Jesus Cristo nos une a José e sua missão. Por isso, nossa devoção, fundamentada na fé, que está sedimentada no Mistério Pascal de Cristo.

Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo. A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria sua mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. José, seu marido, era justo, e não querendo denunciá-la, resolveu abandonar Maria em segredo. Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: ‘José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados’. Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado. (Evangelho: Mt 1, 16.18-21.24a)

Embora, neste texto, São José não profira nenhuma palavra, suas atitudes silenciosas falam muito alto para nós. “José sente uma angústia imensa com a gravidez incompreensível de Maria: mas não quer ‘difamá-la’, e decide ‘deixá-la secretamente’ (Mt 1,19)”.7 Deus, por meio de um sonho, fala a José por meio de um anjo e anuncia a sua vontade. O anjo do Senhor chama José de “Filho de Davi”; e disse para ele “não ter medo de receber Maria como sua esposa”; pois sua gravidez é uma ação de Deus. “Por obra do Espírito a Virgem concebeu o Filho de Deus. Nele, vive, atua e fala o Messias”.8 José é envolvido nesta missão messiânica, por isso, deve dar nome ao menino: “e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”. O nome Jesus enuncia e anuncia o destino: se um rei deve “salvar” o seu povo, também o descendente de Davi nasce para salvar seu povo dos pecados. Ao impor o nome ao menino, José agirá como o pai legal e garantirá a linhagem dinástica de Jesus. Posteriormente, Jesus receberá o título de Filho de Davi. José desperta do sonho e fez como o anjo lhe ordenou. “Sua resposta foi imediata e com a sua obediência superou o seu drama e salvou Maria”.9

“Todos podem encontrar em São José […] um intercessor, um amparo e uma guia nos momentos de dificuldades. São José lembra-nos de que todos aqueles que estão, aparentemente, escondidos, ou em segundo plano, têm um protagonismo sem paralelo na história da salvação”.10 Finalizemos esta reflexão evidenciando alguns aspectos peculiares da pessoa de São José.

José, um homem que toma decisão

A indecisão não fazia parte da vida de São José. Diante da situação difícil em que se encontrou na vida, ele não ficou paralisado, mas decidiu. Eis uma atitude que precisamos reforçar em nossa vida cristã: nossa capacidade de tomar decisões diante dos desafios da vida. Decidir é importante, pois é uma dimensão importante da nossa existência. Sobre quais situações da vida, pessoal e familiar, nós estamos adiando decisões importantes que precisamos tomar?

José, um homem que sabe reconsiderar a situação

José era decidido. Mas, sabia reconsiderar as decisões diante de novas situações. A intervenção do anjo do Senhor fez ele mudar o que já havia decidido. Não se trata de uma atitude de insegurança em relação à decisão tomada, mas, reconsideração e avaliação da decisão em vista de uma causa maior. Isto é uma indicação que pode nos orientar e ajudar a reforçar nossa capacidade de reconsiderar situações da nossa vida pessoal, familiar e comunitária, à luz do que Deus fala para nós por meio de Jesus hoje11. Que peso damos às palavras, aos ensinamentos de Jesus, na hora de reconsiderar uma situação e mudar de postura ou opinião?

José, um homem de fé

Se José não tivesse fé, e dela não vivesse, sua vida não teria nenhuma relevância para nós. Mas fé, segundo a Escritura, não significa ter certeza e clareza sobre tudo e todos. A fé é uma atitude de vida diante da própria vida. Uma atitude que implica confiança plena em Deus; discernimento da sua vontade. Isto faz com que a fé seja dinâmica e não estática; portanto, uma pessoa de fé não é alguém que só reza a Deus e fica à espera do “milagre”, mas, sim, alguém que vai decidindo sempre confiando em Deus e pedindo a sua iluminação. Por isso, a atitude de fé está intimamente ligada à atitude de oração; que, por sua vez, pode ser definida como conversar com Deus e buscar a Sua vontade. Precisamos reforçar nossa atitude de fé em Deus e seguir o exemplo de São José, que confia plenamente em Deus, mas, ao mesmo tempo, não tinha medo de se arriscar. Quais desafios na vida já enfrentamos ou nos arriscamos com essa compreensão da fé?

José, um homem obediente

Ser obediente no contexto da fé em Deus significa concretizar na vida cotidiana aquilo que foi acolhido na fé. Portanto, a obediência tem a ver com o seguimento e com a prática do amor. São José foi obediente, porque era fiel ao amor de Deus. Precisamos reforçar nossa atitude de obediência a Deus com o seguimento de Jesus. Nós manifestamos mais a nossa obediência a Deus cumprindo “preceitos cegos” ou no seguimento de Jesus procurando viver o discipulado missionário?

José, um homem justo

A justiça é um tema central na Sagrada Escritura. O justo é aquele que pratica a justiça de Deus em seus atos. A justiça é uma virtude que se espelha em Deus, pois Deus é justo e sua justiça dura para sempre. Esses conceitos sobre a justiça e o justo não têm como fonte o ser humano, mas o próprio Deus. Porém, a fé em Deus faz o ser humano seguir (obedecer) a prática da justiça, transformando-se, assim, em uma pessoa justa perante Deus. Contudo, vivemos em sociedade, por isso a prática da justiça bíblica, que nasce da fé, se complementa com a prática da justiça humana que nasce dos direitos e deveres do cidadão em vista do bem comum. Por isso, é muito importante não esquecer da relação que existe entre a fé e a vida, pois elas não devem andar separadas. Isto é bem sintetizado na tradição educativo-pastoral salesiana com a frase síntese do sistema preventivo de Dom Bosco (que era devoto de São José), “bons cristãos e honestos cidadãos”; de modo que não posso separar a vida da fé e a fé da vida. Somos pessoas que procuram praticar a justiça nas ações do dia a dia? Procuramos conhecer a fundo nossos direitos e deveres de cidadãos? Lutamos pela justiça combatendo as injustiças sociais?

[…] as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiras e enfermeiros, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho. […] Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade! Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos». Todos podem encontrar em São José – o homem que passa despercebido, o homem da presença quotidiana discreta e escondida – um intercessor, um amparo e uma guia nos momentos de dificuldade. São José lembra-nos de que todos aqueles que estão, aparentemente, escondidos, ou em segundo plano, têm um protagonismo sem paralelo na história da salvação. A todos eles, dirijo uma palavra de reconhecimento e gratidão.12

Que São José, assim como cuidou da família de Nazaré, cuide das nossas famílias, dos pais, para que não desistam da família na hora do desemprego, da doença e nas dificuldades de convivência. Que mesmo aqueles pais que são separados não desistam dos seus filhos e continuem presentes e manifestando o amor paternal. Que ele cuide da grande família, que é a humanidade, que hoje sofre as dores com essa pandemia mundial. Que conceda cura aos nossos enfermos, com paz e serenidade. Que assista aos moribundos na hora da morte. Que conforte os milhares de lares enlutados no planeta. Que continue intercedendo junto a Deus por todos nós.

 

Salve, guardião do Redentor

e esposo da Virgem Maria!

A vós, Deus confiou o seu Filho;

em vós, Maria depositou a sua confiança; convosco, Cristo tornou-Se homem.

Ó Bem-aventurado José, mostrai-vos pai também para nós e guiai-nos no caminho da vida.

Alcançai-nos graça, misericórdia e coragem,

e defendei-nos de todo o mal. Amém.13

 

1 “Deus todo-poderoso, pelas preces de São José, a quem confiastes as primícias da Igreja, concedei que ela possa levar à plenitude os mistérios da salvação. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso filho, na unidade do Espírito Santo.” (Missal Romano,)

2 FRANCISCO, Carta Apostólica Patris Corde (8 de dezembro de 2020), 4
3 Ibid., 9.
4 Paris Corde. 9.
5 Ibid., 3.
6 Ibid., 13-12.
7 Ibid., 5.
8 R. GUARDINI, El Señor. Meditaciones sobre la persona y la vida de Jesuscristo. Ed Cristiandad, Madrid 2018, 276.
9 Paris Corde., 5.
10 Ibid., 2.
11 Na vida de José, Deus falou por meio de um sonho. Hoje, Ele fala para nós por meio de várias linguagens; inclusive, por nosso intermédio, quando buscamos o bem comum. Porém, o lugar privilegiado onde Ele se revela para o cristão é por meio de Jesus Cristo. Que está presente e vivo na Palavra proclamada e celebrada na liturgia; nos Sacramentos, de modo particular na Eucaristia, e na Comunidade (Igreja), reunida para continuar a sua missão no mundo.
12 Ibid., 2.
13 Ibid., 12.

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