“Vivemos numa situação muito difícil, hoje não existe possibilidade de diálogo”, afirma Dom Leonardo Steiner em conferência virtual

A Semana Laudato Si’ está provocando reflexões, que tem como base a encíclica do Papa Francisco, que agora completa 5 anos. Nessa dinâmica, o Movimento Católico Mundial pelo Clima, junto com o Instituto Clima e Sociedade e o apoio do Instituo Humanitas Unisinos – IHU, promovia neste 20 de maio uma reflexão sobre tema, que teve por título: “A ecologia integral em tempos de coronavírus e crise climática”.

O encontro virtual contou com representantes do mundo científico e eclesial, Atila Iamariano, biólogo, Carlos Nobre, cientista especializado em clima e Amazônia, que tem dedicado 40 anos de sua vida ao estudo da Amazônia, e foi um dos peritos do Sínodo para a Amazônia, e Dom Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus. Como afirmava a mediadora do evento, Cleusa Andreatta, irmã da Divina Providência e professora da Unisinos, Laudato Si’ nos mostra que a crise global que estamos vivendo, ela é possível enfrenta-la, nos oferece orientações, nos ajudando a perceber a relação entre crise ambiental e ecológica, e crise social.

Na sua condição de biólogo, Atila Iamariano, partia do fato de que “a Covid é mais um vírus surgido na natureza que saltou para humanos”. Na medida em que avança para mais dentro da natureza, desmata mais, esses vírus atingem o ser humano, defende o biólogo, que desenha um panorama pouco alentador, pois “tivemos pandemias no século XX e vamos ter muitas mais no século XXI”. Ele vê um paralelo muito grande entre a Covid e os problemas climáticos, que são frutos da nossa exploração dos recursos naturais, são frutos da infraestrutura e do sistema que nós criamos, afetando mais às pessoas que tem menos recursos.

Nesse sentido, ele afirma que “a Covid é um infeliz treino para saber como lidar com esse tipo de problema que tende a ser cada vez mais recorrente”. Essa situação leva Atila Iamartino a dizer que “não podemos continuar considerando os recursos naturais de uma maneira impensada, como se eles estivessem todos a disposição para servir o ser humano”.

Com a Laudato Si’, “a Igreja, que sempre foi antropocêntrica, começa enxergar que o ser humano não pode ser visto de forma diferente do resto das especies do Planeta”, afirmava Carlos Nobre. Ele considera isso como uma enorme evolução, até o ponto de que, segundo ele, “Laudato Si’ mostra como com nossas ações humanas estamos desestabilizando o clima do planeta e as consequências que isso poderia trazer”.

O Sínodo para a Amazônia, segundo Carlos Nobre, “trouxe também muitos elementos de ciência, o nosso olhar para a Amazônia como elemento importante para nossa casa comum. Ele, que foi perito no Sínodo, falou da Amazônia “como o coração biológico do planeta, como o local onde tem a maior biodiversidade do planeta, que a Amazônia pode nos ensinar muito, que tem muito que aprender com as populações amazônicas”. Segundo o cientista, “os Indígenas sempre tem a proteção da floresta como um valor cultural e um valor espiritual. Essa evolução cultural e espiritual é a sua base ecológica, sempre buscaram manter o equilíbrio”.

Carlos Nobre alerta sobre os perigos para uma Amazônia ameaçada pelo desmatamento, o que provoca a ruptura da evolução natural, da umidade natural que impede os incêndios. Isso provoca o risco de savanização da Amazônia pelo desmatamento, as queimadas e o aquecimento global, afirma Nobre, que vê o ponto de não retorno como algo muito próximo, momento que vai provoca que não vamos ter como mudar. A consequência pode ser “uma enorme fuga de micro-organismos provocando pandemias surgidas da Amazônia”. Por isso, para preservar a Amazônia para cuidar do clima e da saúde humana, se faz necessário zerar o desmatamento e um novo tipo de agricultura regenerativa, propondo a restauração florestal como caminho de lutar contra as mudanças climáticas.

Estamos vivendo um momento que, segundo o arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Ulrich Steiner, nos mostra que “Laudato Si’ é um texto que se torna mais importante do que 5 anos atrás”. Ele considera que “o elemento fundamental da Laudato Si’ é a relação, não apenas interpessoal, mas na sua totalidade, o texto nos faz perceber que tudo está em relação”. Nesse sentido, Dom Leonardo vê os povos indígenas como aqueles que “têm esse elemento relacional com a totalidade”, afirmando que “o texto nos questiona nosso modo de destruição, de convivência, nosso modo agressivo, não apenas entre nós, mas também em relação à natureza, tendo como base a relação de Francisco de Assis com toda a natureza”, que ele chama de irmão e irmã.

Em Laudato Si’, o Papa Francisco, segundo o arcebispo de Manaus, faz uma hermenêutica diferente do texto do Gênesis, afirmando que chama a não dominar, e sim cuidar e cultivar, imagem do cuidado da mãe para com os filhos. O texto ajuda a mudar a visão antropológica do homem como centro. O arcebispo, desde o conceito de pensamento calculante, de Heidegger, afirma que nós calculamos, numeramos tudo, e quando tudo se torna número deixa de ter rosto. Isso nos desafia a deixar de lado um pensamento mecânico, que pode nos ajudar a entender a devastação da Amazônia como pensamento calculante, que não pensa no bem de todos, nem da casa comum, que deve ser entendida como patrimônio comum, desde um sentido social. Segundo ele, não podemos individualmente destruir, porque é de todos, também dos micro-organismos, dos animais, das plantas.

O texto pede de nós, afirma Dom Leonardo, educação e espiritualidade. A educação deve nos levar a despertar para a beleza, as relações, a totalidade, admirar a grandeza e não destruir nossa casa comum, promovendo cuidado. A espiritualidade mostra a força do espírito, que se deixa tomar pela força do criador, sermos irmãos de todos, nos abrirmos à graça de ser filhos e filhas de Deus, que nos leva a descobrir que os seres não precisam de nós, afirmando que “o mundo continuaria sem a nossa presença”. Isso deve levar a nossa Igreja a retomar a Laudato Si’, algo que espera o arcebispo, pois esse foi o texto mais citado na COOP de Paris.

Um elemento importante, que segundo Carlos Nobre não pode ser esquecido, é que “a ciência moderna mostrou que a Terra tem limites”. Ele denuncia que os negacionistas são comprados por empresas ligadas com combustíveis fósseis e o agronegócio, “inúmeros estudos provam que o aquecimento se deve à ação humana”. Por isso destaca que o grande potencial da Amazônia é a produção autosustentável, a floresta em pé, buscar energias renováveis.

Não podemos esquecer, afirma o cientista, que “nós somos uma especie na nossa casa comum que tem milhões de especies”. A consequência disso é que temos que nos tornarmos consumidores responsáveis, mas também sermos muito mais responsáveis na eleição de políticos que nos representam. Um exemplo disso, segundo ele é que 90% dos brasileiros são contra o desmatamento da Amazônia, mas no congresso tem 50 a 60% dos deputados a favor. Ao mesmo tempo destaca que “um aspecto positivo da crise é que a confiança na ciência está aumentando, espero que a ciência seja mais crível”.

Covid e aquecimento são questões humanitárias, segundo Átila Iamartino, que afirma que “temos poder de escolher para quem e por quanto tempo”. Para o biólogo, “a maneira como a gente explora a natureza é muito a curto prazo e muito burra”. Uma necessidade, segundo o biólogo é respeitar as pessoas como seres humanos e não como números”, afirmando que nossa cabeça funcionam mais como advogados do que como cientistas. A gente busca um culpado para o covid, para evitar questionar nosso modo de vida, nosso status atual, algo que está sendo financiado por grupos de interesse.

Tudo o apontado em Laudato Si’ teve influencia em Querida Amazônia, a exortação de um sínodo que o Papa definiu como filho da encíclica. Querida Amazônia, afirma Dom Leonardo Steiner, traz elementos vitais para a Igreja na Amazônia, para as culturas, para os povos originários na Amazônia, envolvidos em estruturas políticas deterioradas, que não olham para o bem comum. Desde aí, se faz necessário que a consciência ecológica seja trabalhada na Igreja, algo a ser feito, segundo o arcebispo, que o vê como um trabalho longo, uma verdadeira educação, não só com o clero, com todos, algo que se faz devagar, semeando, até o ponto de afirmar que Laudato Si’ é um texto para ser estudado durante 50 anos.

O Brasil vive um desmonte de direitos, segundo Dom Leonardo, que denunciava que o atual, “não é um governo que está preocupado com os pobres, não é um governo que está preocupado com os povos indígenas, a FUNAI hoje está entregue a pessoas que não tem nenhum cuidado em relação aos povos indígenas”. A mesma coisa acontece com o Ministério do Meio Ambiente, o que leva o arcebispo a dizer que “vivemos numa situação muito difícil, se antes existia possibilidade de diálogo, hoje não existe possibilidade de diálogo. O dialogo que se propõe é você aceitar uma ideologia, uma ideologia que é dominadora, uma ideologia que mata, uma ideologia que divide”.

O arcebispo de Manaus, a principal cidade da região, afirma que “a Amazônia, o meio ambiente está entregue em mãos de gente que não quer entender de meio ambiente, a FUNAI está entregue em mãos de pessoas que não querem cuidar dos povos indígenas”, mostrando sua preocupação com os povos isolados, que em pouco tempo não vão ter mais casa para viver. Dom Leonardo tem afirmado que “eu espero que não tenhamos por muito tempo um governo que trate desse jeito o meio ambiente, nossa casa comum, e trate desse jeito nossos povos indígenas”.

Mas, segundo o arcebispo, “nós somos pessoas de esperança, nós continuamos a fazer nosso trabalho, nós continuamos a animar nossas comunidades, nós queremos levar esse texto da Laudato Si’ e Querida Amazônia para todos”, concluindo dizendo que chegou o tempo de nós começarmos a proclamar a fraternidade, que tem a ver com respeito, com acolhida, com esse modo de convivência na diferença, sermos muito menos agressivos, muito menos pedantes, perdemos a humanidade.

Por Pe. Luis Miguel Modino.

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