“Naquele tempo, Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus respondeu: Não te digo até sete vezes, mas setenta vezes sete” (Mt 18,21).
O perdão como um dos fundamentos da convivência humana; como possibilidade de maturação das relações. A palavra perdão, é cheia de vida, diz da entrega total, da completude de vida. Perdão, per+donum, um dom levado à perfeição. Per-doar, doar totalmente! O perdão traz aos olhos uma totalidade reconciliada. Perdoar: ter compaixão, amar-doar-se em plenitude. Perdoar significa amar a ponto de restituir à vida a quem ofendeu. Toda ofensa, em grau menor ou maior, atenta contra a vida.
A imposição do mal pelo mal deve ir desaparecendo para converter-se, na medida do possível, em “estímulo para saldar o mal com o bem, único modo no qual se pode exercer uma justiça que não piore o mundo, mas que o transforme num mundo melhor” (Gustav Radbruch). O perdão eleva pelo bem!
O modo de viver “setenta vezes sete”, pode ser vislumbrado nas palavras de Santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres! Se calares, cala por amor; se falares, fala por amor. Se corrigires, corrige por amor; se perdoares, perdoa por amor… Coloca no fundo do coração essa raiz de amor. Dessa raiz de amor só pode nascer o bem. Dentro do amor, não há erro, não há injustiça, não há ódio. Não há ressentimentos guardados. Dentro do amor só há encontro, perdão e verdade.”
O Pai que está no céu sempre manifesta a grandeza e a nobreza do perdão de todo o coração, setenta vezes, sem limites. Perdão que não deixa para traz nenhuma dívida, nenhum ressentimento, nenhum resquício de carregar alguma dívida, ou que alguém ficou devendo algo. Um perdão que gera a liberdade, pois misericórdia restitui a liberdade, como liberdade de Deus. “Não retenhas em teu interior, inimizade contra ninguém, porque maior é o mal que estes rancores causam em teu coração.” (Santo Agostinho, São João). O perdão na não completude gera conflitos relacionais e interiores. O desafeto entre irmãos produz mal-estar no meio da família, da comunidade. Esperar que o outro venha pedir perdão, é desviar-se do caminho da misericórdia, da compaixão. O perdão transforma os momentos de morte em vida.
O perdão, tem o gosto, o sabor de Deus. Ele é sem limites! É extraordinariamente compassivo e misericordioso, pois a todos redimiu gratuitamente na Cruz, uma vez por todas. Nunca voltará atrás no perdão alcançado na Cruz, é para sempre, para todos. Nesse perdão todos somos banhados.
A oração do Pai-Nosso, acorda para a grandeza do perdão recebido, na medida do perdão oferecido. Pede-se a Deus: Perdoai-nos as nossas ofensas, como nós perdoamos a quem nos ofendeu (cf. Mt 6,12). O perdão oferecido que liberta e na liberalidade, se é recebido no perdão de Deus. O seu perdão é o sinal do seu amor transbordante para toda a pessoa: é o amor que nos deixa livres para nos afastar, como o filho pródigo, mas que espera todos os dias o nosso regresso; é o amor audaz do pastor pela ovelha perdida; é a ternura que acolhe cada pecador que bate à sua porta. O nosso Pai celeste está cheio, cheio de amor e quer oferecê-lo, mas não o pode fazer se fecharmos o nosso coração ao amor pelos outros” (cf. Papa Francisco, Angelus). “Setenta vezes sete vezes”: o perdão límpido e transparente!
Cardeal Leonardo Steiner
Arcebispo de Manaus