“Às operações econômicas (…) que danificam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime. Quando algumas empresas sedentas de lucro fácil se apropriam dos terrenos, chegando a privatizar a própria água potável, ou quando as autoridades deixam mão livre a madeireiros, a projetos minerários ou petrolíferos e outras atividades que devastam as florestas e contaminam o ambiente, transformam-se indevidamente as relações econômicas e tornam-se um instrumento que mata. É usual lançar mão de recursos desprovidos de qualquer ética, como penalizar os protestos e mesmo tirar a vida aos indígenas que se oponham aos projetos, provocar intencionalmente incêndios florestais, ou subornar políticos e os próprios nativos. A acompanhar tudo isto, temos graves violações dos direitos humanos e novas escravidões que atingem especialmente as mulheres, a praga do narcotráfico que procura submeter os indígenas, ou o tráfico de pessoas que se aproveita daqueles que foram expulsos de seu contexto cultural. Não podemos permitir que a globalização se transforme num novo tipo de colonialismo.” (Papa Francisco, Querida Amazônia, nº 14)
O Projeto de lei 191/2020, em tramitação, está por determinar as condições de exploração de recursos minerais e hidrocarbonetos, e de recursos hídricos em terras indígenas. Não se trata apenas de mineração. É a liberação de produção do agronegócio, instalação de usinas, exploração de gás e petróleo, além de abertura de estradas. Os índios teriam participação nos resultados da exploração. Mas a participação maior seria na destruição da Casa onde vivem.
Os interesses e a ideologia que sustentam o Projeto de Lei não estão preocupados com a existência dos povos indígenas, com a suas culturas, com o seu modo de vida. Os seres humanos que vivem nas terras, mesmo homologadas, não são levadas em consideração na sua dignidade, no seu direito. O Projeto aprofunda a exploração e a delapidação da Casa, do Mundo indígena. Importa o lucro, o dinheiro que irá para o bolso de algumas pessoas, de alguns grupos.
O Projeto não se preocupa com o meio ambiente. A exploração, a devastação da floresta, impactará no regime de chuvas na amazônia, mas também no centro-oeste e até o sul. Afetando os rios aéreos, as lavouras perderiam produtividade. O Projeto é apresentado como solução para a falta de fertilizantes diante da guerra entre Rússia e Ucrânia. A extração potássio nessas áreas para produzir fertilizante seria uma solução, mesmo que o potássio no Brasil esteja fora das terras indígenas. Tudo vale como argumento de propaganda.
As fotografias publicadas nos últimos tempos visibilizam as feridas, as chagas abertas na floresta com o garimpo. A exploração que se deseja legalizar com a Lei devasta florestas, contamina o ambiente, transforma “indevidamente as relações econômicas e tornam-se um instrumento que mata” (QA). Até quando o Congresso Nacional e o Governo estarão a trabalhar por um projeto de morte e não de vida? A história do Brasil, a história do Amazonas, em relação aos povos indígenas é de desintegração, de morte. Até quando vamos destruir a Casa, a cultura, os povos indígenas? Até quando vamos poluir os nossos rios com mercúrio? Quando vamos conviver na justiça, na dignidade com os povos originários e suas culturas, e com o meio ambiente, a Casa Comum?
Leonardo Steiner – Arcebispo de Manaus