…E os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido conforme lhes tinha sido dito…
Solenidade da mãe de Deus e nossa.
Chegamos ao último dia do ano de 2021. Chega ao término tempo cronológico que criamos para podermos suportar as passagens e as dinâmicas e ao mesmo tempo experimentar a beleza, a grandeza do viver que compõem a nossa vida, a nossa existência, a experiência que fazemos de Jesus.
Como que desejamos assegurar-nos e proteger-nos no tempo que nos é dado. Temos a quase pretensão de poder controlar o tempo que nos é oferecido para levarmos a nossa existência a sua plenitude.
O tempo cronológico nos dá a sensação de que os dias, os meses estão sob o nosso domínio e segurança, mas na experiência da fé sabemos que não estão.
E na festa da mãe de Deus, nós, como que reafirmando os resistir de um, principiar que deixa surgir todo o universo e a humanidade. Por isso, um tempo novo a nos dizer que existe um principiar que nos abre para a percepção de toda a realidade e nos deixa perceber e sentir do universo e do nosso existir. O tempo que nos é concedido nasce desse principiar desse início, brotado do seio de Maria, sem começo e sem fim.
Foge da cronologia do tempo e do espaço que nos é concedido e, ao mesmo tempo, nos oferece novo tempo e espaço para que possamos dar-nos conta do significado verdadeiro da nossa vida, da nossa convivência de todo o universo.
E o verbo gerado por Maria, palavra gerada, feito pela palavra e sem ela nada se fez de tudo que foi feito. Nela estava a vida e a vida era a luz dos homens e a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominada. No nascer de Deus da mulher, como ouvimos na segunda leitura, em nossa humanidade descortinou se uma nova possibilidade, uma nova humanidade.
Nem mesmo as trevas conseguiriam dominar. Ela Foi subjugada pela luz que veio do seio de Maria. Ela agora ilumina todo ser humano, a luz, Jesus, a criança de Belém abre o céu e a Terra, a Terra e o céu. A vida do universo já não se rege mais pelo tempo dos dias das estações, dos anos, mas agora chegou do seio de Maria o tempo da Esperança do amor, porque Deus, no meio de nós.
Tempo que vivemos, ressoa intensamente o apelo do amor fraterno. Toda a lei se cumpre plenamente nesta única palavra, ama teu próximo como a ti mesmo quem ama seu irmão permanece na luz e não corre o perigo de tropeçar. Mas quem odeia o seu irmão está nas trevas. Nós sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos, as irmãs.
Quem não ama, permanece na morte. E Deus, em Maria, nos veio dar a vida. Aquele que não ama seu irmão que vê, não pode amar a Deus que não vê. Mesmo esta proposta de amor poderia ser mal compreendida. Foi por alguma razão que, perante a tentação das primeiras comunidades cristãs, criaram grupos fechados e isolados, nos diz Papa Francisco.
São Paulo exortava os seus discípulos a ter caridade uns para com os outros e na comunidade de João, pedia-se que fossem bem recebidos os irmãos, mesmo sendo estrangeiros. É que o amor sabe da compaixão e da dignidade.
O amor sabe da compaixão e da dignidade. Existe um novo princípio que rege os dias, as estações e os anos. O amor que cuida da dignidade e é compaixão.
Fomos dignificados pela presença de Jesus. Deus em nossa humanidade e fragilidade, a dizer da preciosidade da vida humana e de toda obra criada. Uma dignidade que não pode ser tirada, pisada ignorada, vilipendiada. Uma dignidade que tenha a dignidade de Deus, porque do ventre de Maria nos veio Salvador.
A compaixão e amor das entranhas, ser tocado no mais íntimo do íntimo de nós mesmos. Aquela expressão do Evangelho oferecido mais vezes quando você refere a Jesus: “sentiu compaixão, foi pego nas suas entranhas”, como diz o poeta hebreu. Compaixão, compadecido, virado, cuidado feito cuidado, proximidade restauradora, confortadora, transformadora, libertadora.
Compaixão, atingido nas entranhas que o leva a sentir a dor, o sofrimento, o desespero, o desalento, o limite, a rejeição, a condenação, leva ler alma sofrida, quase desesperançada, mas ainda suplicante.
De Jesus a libertar, curar, acudir, confortar, libertar, tocar. Fazer caminhar, pois compadecido, tudo meu amor revelado na pequena se da nossa humanidade.
Estamos a caminhar para o fim de um tempo cronológico. Nesse tempo nos foi revelado o tempo do encontro do amor, da caridade e da solidariedade. Jesus. O tempo da dor, que é sem tempo, para além do tempo da cronologia deles, deu-nos o principiar de um encontro com outro, revelado em Jesus, em Belém. As dores do ano que está a findar talvez nos tenham levado ao encontro de Deus.
Viemos neste ano da dor, da separação, do silêncio, do recolhimento, da perda. Viemos até da morte. Ainda muitos corações doídos, sofridos, feridos.
Ainda há muitos irmãos e Irmãs a buscar entender, compreender a conciliar, harmonizar as perdas, separações, a morte. O tempo da dor e da separação, no entanto, queridos irmãos e irmãs, veio despertar em nós o que existe de mais precioso: a compaixão, o amor, a solidariedade.
Como deixar de agradecer a Deus por termos saído ao encontro de tantas famílias necessitadas de tantas pessoas desencantadas?
Vimos no amor vindo entre nós, nos gestos mais simples, pequenos, mas significativos: cestas básicas, distribuição de quentinhas, levando material higiênico, palavra de conforto, silêncio, escuta distribuindo lençóis, levando abrigo.
Quanto caridade! Todo gesto de dignidade, de dignificação e de compaixão.
Como expressão de fé, saímos ao encontro dos necessitados e abandonados. Como expressão da fé, saímos para ouvir com oferecer conforto em tantos lugares, especialmente nos cemitérios, na escuta, nas nossas ruas. Como expressão da fé, oferecemos alimento, veste, banho, roupa lavada.
Como expressão de fé, partiríamos um pouco com os que nada tinha. Foram gestos de Jesus, que se repetiram nos nossos dias, aqueles gestos que transformam, mantém a vida, oferece Esperança, leva a paz. Tudo porque no amor, fomos tomados pela compaixão.
Como deixar de agradecer a Deus, aos irmãos e irmãs que professam outra fé e acreditam na dignidade da pessoa, que manifestaram compaixão, solidariedade, e não foram poucos.
Como deixar de agradecer aos empresários e dirigentes por demonstrarem sensibilidade para com os pobres e necessitados? Essa expressão do humano mais humano, onde os olhos enxergam as necessidades e as mãos oferecem ajuda? Vimos que a nossa humanidade ainda tem futuro.
Mas não podemos deixar de agradecer a tantas organizações religiosas, nacionais e internacionais que mostraram sensibilidade, especialmente na segunda onda, com a falta de oxigênio. E não foram poucas as organizações.
Quanta compaixão, quanto amor, quanta caridade na gratuidade de quem sai para salvar vidas.
A pandemia ainda não terminou, mas nossa gratidão vai para os irmãos e irmãs que, nos hospitais, estiveram a serviço, cuidando dos nossos doentes. Quantos irmãos e irmãs vacinando, imunizando, para que possamos superar esta pandemia que ainda nos sufoca.
Agradecer aos irmãos, padres, diáconos que com a ajuda das lideranças das nossas comunidades, buscaram os mais necessitados e distribuíram amor, consolo, alimento, compaixão.
Nesta celebração, irmãos e irmãs, lembramos as palavras de Papa Francisco, “fazendo-se filho como tu e por ti, para te lembrar o ponto de partida de cada renascimento teu: reconhece-te filho de Deus, filha de Deus. Este é o ponto de partida de qualquer renascimento. Este é o coração indestrutível da nossa esperança, o núcleo incandescente que sustenta a existência por baixo das nossas qualidades e defeitos, mais fortes do que as feridas e fracassos do passado, os temores e ansiedades face ao futuro está esta verdade: somos todos filhos amados, filhas amadas. E o amor de Deus por nós não depende nem dependerá jamais de nós: é que o amor de Deus é gratuito. Esta noite não encontra outra explicação, senão na graça. Tudo é graça. O dom é gratuito, sem mérito algum da nossa parte, pura graça. Esta noite manifestou-se – disse-nos São Paulo – a graça de Deus”. A graça de Deus que veio do ventre de Maria.
E desejamos que o tempo que está por vir nos inspire esperança e nos conduza à Paz. Especialmente urgente é tempo de uma nova política na nossa sociedade, no Brasil. A Esperança de que as pessoas envolvidas na política cuidem do bem comum e não de si mesmas, promovam a paz, a justiça, a verdade. Os pobres sejam integrados na nossa sociedade e não excluídos com projetos meramente assistenciais.
O ano de 2022, seja para todos nós, queridos irmãos e irmãs, o ano da paz e da esperança. O ano em que todos nós, as nossas comunidades, ajudássemos a abrir espaços para que a paz possa reinar, pois baseada no direito, na justiça, na fraternidade, na verdade, no amor. Abrir espaços irmãos, irmãs com palavras, verdade, sem violência. Palavra cortante, sem morte, palavras, escuta, palavra paciente, palavra encontro.
É nossa Esperança construir espaços para que a paz sustente a nossa convivência humana. Também na igreja. Esperança, pois exige disponibilidade, paciência, força de transformação.
A Esperança é uma virtude que não se vê, trabalha por debaixo, nos faz olhar por baixo. Não é fácil viver na Esperança, mas eu diria, diz o Papa Francisco, que deveria ser o ar que um cristão respira, ar de Esperança, do contrário, não poderá caminhar, não poderá ir avante, porque não saberá aonde ir. E nós sabemos como cristãos, seguidores e seguidoras de Jesus, para onde vamos. A Esperança, isto sim, é certo, nos dá uma segurança.
A Esperança não desilude jamais. Se você espera, não será desiludo. É preciso abrir-se a esta promessa do senhor, voltados para aquela promessa, mas sabendo que existe o espírito, o Espírito Santo que trabalha em cada um de nós.
Queridos irmãos, queridas irmãs a Deus, louvor e gratidão. Pedimos que Ele conforte e console as pessoas sofridas e doidas e que Ele nos mantenha na graça do amor, da solidariedade, na paz e esperançados. Amém.
Por
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Homilia Solenidade Maria Mãe de Deus (31/12/2022)