Ouvir, escutar diz mais que uma capacidade humana; falar, palavrar é mais que uma capacidade humana. Escutar e falar é mais que expressão dos nossos sentidos; vai além da mera possibilidade de comunicação entre nós e as coisas, entre nós e os outros, nós e o mundo, mas também com Deus. Escutar e falar dizem de um modo todo próprio do ser humano: somos escuta e fala.
A palavra agressão toca a nossa pessoa; a palavra perdão dignifica a pessoa; a palavra consolo anima os nossos passos. O tímpano apenas recebe o som. Nossa pessoa é receptividade das palavras, porque ouvinte. É nossa pessoa a externar-se na palavra: palavra som, palavra silêncio, palavra gestual, palavra presença. Assim, as pessoas cujos tímpanos deixam de transmitir som ouvem; mesmo sem som, falam. É a pessoa que ouve e fala. Dinamicamente ouvimos e em ouvindo guardamos na palavra, colhemos na palavra; nascem palavras. Somos escutantes-falantes; somos escutadores da palavra, somos a palavra ouvinte. Nesse movimento somos e nesse movimento em que somos ouvintes da palavra e a palavra ouvinte é que nos encontramos com a Palavra de Deus. A Palavra a tocar o ouvido existencial na graça da sonoridade; a Palavra a depositar em nossa língua existencial a sua força e torná-la falante-sonora.
Estava ali o surdo-mudo qual criança sem fala e sem ouvido. Sem escuta e, por isso, sem palavra. Era surdo, a sua língua estava presa e falava com dificuldade. Estava ali o homem adulto com dificuldade na articulação da palavra, do dizer, porque era surdo. Jesus o retira do meio da multidão, o leva para um lugar à parte, toca os ouvidos e a língua, e olhando para o céu, suspira e diz Efetá, abre-te!
Para fora da multidão, a um lugar à parte, onde todos falam ao mesmo tempo e as palavras se tornam incompreensíveis e os sons confusos. A multidão onde perdemos os ouvidos e só mais falamos gritando e não somos mais entendidos e não entendemos mais. No meio da multidão somos mais um entre tantos, onde somos quase uma coisa entre as coisas em movimento. No meio da multidão passamos e não falamos e não ouvimos. A multidão onde não se conta e onde nos perdemos e não contamos mais diante de nós mesmos. A multidão como a perda da autonomia de pessoa. Na perda da autonomia, perdidos na multidão, tem, início o repetir, o papaguear o ouvido na mídia; o que impõe a maioria. Conduzidos e obrigados a ouvir e a falar como multidão: ouvimos tudo e não ouvimos nada, e apenas repetimos o que nos vem gritado continuamente. Assim, perde-se a escuta: conviver, amar, discernir, avaliar, sopesar, maturar. Na perda desaparece a articulação das palavras: família, perdão, prece, poesia, canto. A capacidade da linguagem se fragiliza. Perde-se o ouvido e a palavra, isto é, perdemos a nossa humanidade, perdemos a nossa alma.
No fechamento da escuta passam desapercebidos: os aflitos, os pobres, os desamparados, os desiludidos, os “desamorados”, os sós, os descartados. Deixa de ressoar o humano desumanado. Assim, acolhimento, conforto, alimento, casa, família, perdão, reconciliação, transfiguração, deixam de vir à fala; deixam de reverberar! Jesus a devolver a autonomia ao surdo-mudo: a alma que fala e que ouve. Um convite para permanecermos na abertura de viver e conviver! Abrir-se! A escuta e palavra são um convite para viver na convivialidade, na integridade, na amorosidade, na justiça, na gratuidade.
Dom Leonardo Steiner
Arcebispo de Manaus