DA COMPAIXÃO! – Artigo Dom Leonardo Steiner – Jornal Em Tempo – 31/07 e 01/08/2021

Compaixão, compadecer-se, ter compaixão, se compadecer de alguém. Com-paixão: com estar junto de, ser lançado para a proximidade de, estar na companhia de alguém; paixão, patior, o padecer uma ação, ser tocado pela dor, pelo sofrer; ser atingido pelo outro no seu sofrer (Etimologia e origem das palavras). A pessoa que sente compassio, compaixão, é atingida pela necessidade da pessoa que sofre e, por isso, é atraída para a proximidade. No evangelho de Lucas lemos: “Um samaritano que estava viajando, chegou perto de ele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele tratou-lhe as feridas, derramando nelas azeite e vinho.” (Lc 10,33-34) O samaritano é atingido pela dor, pela necessidade, pela “semidormência” da morte do assaltado. Atingido, é movido pela aproximação; é patior, padece, a dor e, por isso, tornou-se compadecido.

Ao indicar a compaixão de Deus, Papa Francisco diz: “O Deus feito homem deixa-se comover pela miséria humana, pela nossa necessidade, pelo nosso sofrimento. O verbo grego que traduz essa compaixão (…) indica as vísceras do útero materno (…). É um amor visceral (…). Jesus não olha para a realidade exterior sem se deixar tocar, como se tirasse uma fotografia: ele se deixa envolver. É dessa compaixão que precisamos hoje, para vencer a globalização da indiferença. É desse olhar que precisamos quando nos encontramos diante de um pobre, um marginalizado, um pecador.” (Francisco – O Nome de Deus é Misericórdia). 

Neste sentido a compaixão “transcende o egoísmo e o egocentrismo e não tem o coração centrado em si mesmo, mas centrado nos outros, em especial nos pobres e nos afligidos por todo o tipo de misérias. Transcender-se a si mesmo até aos outros, esquecendo-se assim de sua pessoa, não é debilidade, mas fortaleza. Nisso consiste a verdadeira liberdade. Essa autotranscedência é, por isso, muito mais do que enamoramento de si mesmo na entrega ao próprio eu: pelo contrário, trata-se da livre autodeterminação e, por conseguinte, de autorrealização. É tão livre que pode ser livre inclusive em relação a si mesmo, pode superar-se, esquecer-se de si e ultrapassar, por assim dizer, os seus próprios limites.” (Kasper. W., A misericórdia).

São João nos diz: “ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor”. Viu! O olhar de Jesus que não se fecha diante da multidão sofrida. Olha e se comove. As pessoas não incomodam a Jesus. Ele percebe a procura, a desilusão no rosto daquelas mulheres e daqueles homens. Percebe o abandono no qual vivem. Ele capta o sofrimento, a solidão, a confusão que experimentam. Viu, especialmente, a necessidade mais profunda daquelas pessoas: “eram como ovelha sem pastor”. Homens e mulheres, sem destino, sem cuidado, sem orientação. Vivem sem que ninguém delas cuide. Foi tomado de compaixão, teve compaixão, tornou-se compadecido. Os necessitados, os fragilizados, dos desencaminhados, os tomados de maus espíritos, ali estavam, e ele, vendo-os a todos, é tomado de compaixão e cuidou.

Compaixão oferece, insinua liberdade e gratidão, porque cuidado. Cuidado como gratuidade! Em sendo tocado, em sendo atingido pela compaixão, isto é, pela necessidade e pela fragilidade do outro, sai ao encontro, se inclina, reverencia. Desperta para necessidades mais profundas e começa a servir, a oferecer, como serviço quase cândido, meio silencioso, pois serve como servo, não como senhor. Jesus compadecido a tomar sobre si as dores, os sofreres, as misérias, a pobreza, no ensinar, no aliviar, no curar, no cuidar. Carrega com cada necessitado o peso dos pecados, as dores do corpo e da alma. Como que sofre as dores e se alegra com as alegrias. Alguma troca? Tudo na gratuidade.

Como é extraordinária a compaixão! A graça da compaixão, do compadecimento! Deixar-se atingir pela compaixão. Não se vive melhor fugindo dos outros, escondendo-se, negando-se a partilhar, fechando-se na comodidade. A compaixão concede vida, transforma o viver. A compaixão é vida, graça que liberta, bem que aquece, proximidade que redime!

 

Leonardo Ulrich Steiner

Arcebispo de Manaus

Gostou? Compartilhe

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on telegram
Telegram

Comentários