“Habitou em nós” – Homilia Missa de Corpo presente de Dom Sergio Castriani

O Arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Ulrich Steiner, inspirado no lema episcopal de Dom Sergio Castriani, profere homilia de gratidão pela doação da vida desse homem que escolheu ser missionário na Amazônia e aqui viveu seu sacerdócio, seu episcopado, até o fim, sendo pastor, pai e irmão, deixando profundas marcas de amor, serviço e gratuidade em todo o povo que Deus lhe confiou e que conduziu com muito amor, misericórdia, ternura e dedicação, não esmorecendo mesmo diante dos dias de cruz que viveu.

Confira na íntegra!

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Queridos irmãos,
Queridas irmãs,
Queridos padres, diáconos, seminaristas, vida religiosa e todos os que nos acompanham nesta celebração.
Saúdo especialmente aos familiares de Dom Sergio, mas também saúdo as comunidades da Prelazia de Tefé que ter por D. Sergio um afeto todo especial.

 

“Habitou entre nós”

Ele escolheu para o seu lema “Habitavit in Nobis” – Habitou entre nós, mas na realidade deveríamos dizer “habitou em nós”. O filho de Deus que se fez carne humana no seio da Virgem Maria, armou sua tenda entre nós e se fez nosso filho, como vimos na noite do Natal. Mas na realidade não veio habitar entre nós, mas em nós (in nobis). Nele todos nos tornamos filhos e filhas, pois sua morte e ressurreição nos plenificam.

Extraordinário vermos que Deus quase abandonou sua condição divina para fazer-se um de nós, ser como nós, não outro de nós, entre nós, em nós, na nossa humanidade e fragilidade. Nasceu da virgem, experimentou nossas dores e alegrias, os sabores e realizações, as injustiças e a misericórdia. Compartilhou o nosso sonho, devolveu vida, consolou órfãos e viúvas, abriu olhos, concedeu ouvidos, transformou corpos purificando-os. Trilhou os nossos caminhos. Indicou a fragilidade humana como transformação, como redenção, como salvação.

Habitando entre nós, se fez nossa habitação. Nele podemos nos abrigar, estar em sua casa nas alegrias, mas especialmente nas dores, desconfortos, desesperanças como esse tempo de pandemia. Ele com suas palavras, milagres, misericórdia morte e ressurreição a habitar entre nós e ser nossa habitação. Pela morte de Cruz fez-se nossa morada e agora podemos habitar a nossa terra como sendo terra de Deus.

Não vivemos mais desabrigado, perdidos, errantes, desenraizados, caminhantes no deserto porque habita em nós. Não só no meio de nós, como um de nós, mas em nós. Não cantamos sempre de novo na nossa liturgia “Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a ele toda honra e toda glória agora e para sempre”? Cristo em nós e nós nele, e como apóstolo ousamos exclamar: nele vivemos, nos movemos e somos. Sim, nele somos porque ele em nós, porque ele em nós é que realmente somos. Realmente somos quando ele é em nós, porque recebendo dele o ser.

Hoje nos despedimos desse nosso irmão e pai. Irmão porque é conosco em Cristo Jesus, pai porque é pastor, pai porque paternal quase mais maternal. Pai porque não suportava deixar ninguém sem casa, nem guarida. Irmão porque próximo de todos, especialmente dos pequenos e desprotegidos. Na pandemia a preocupação que manifestava era realmente com os nossos irmãos e irmãs que vivem nas nossas ruas, com os imigrantes, como os nossos pobres. Quantas vezes ele me perguntou: vocês estão cuidando dos moradores de rua? Com o fio de vós que lhe restava, desejava recordar-nos onde e como e com quem deveríamos estar. Pai, pois Bom Pastor, magnânimo, dedicado, afetuoso, atencioso, suave cuidando de todos como filhos e filhas. O seu senso paternal até, às vezes, nos incomodavam.

entre nós”. Em nós foi para o Acre, percorreu outras paragens, mas voltou para Amazônia. Mas não veio para passear, não veio para olhar, não veio como turista, não veio como missionário de um dia ou de alguns anos. Aqui permaneceu porque aqui habitou, fez da Amazônia sua morada. A Amazônia ser sua casa. Veio habitar entre nós, veio para ficar, não com alguém que toma posse, mas como alguém que vem para experimentar com seu povo, fazer com seu povo a experiência da Fé, para partilhar os dias e as horas, para levar esperança, para consolar, para aprender, para partilhar, para compartilhar, para clamar pela justiça, para despertar para uma vida ética na política. Coração manso, gesto de profeta. Escuta que discernia e propunha caminhos. Quando ele ainda estava (bispo) em Tefé, onde em Brasília eu lhe perguntei se aceitaria uma arquidiocese no sul, me respondeu com aquele sorriso suave bondoso, cativante: aceito qualquer transferência para qualquer diocese desde que seja na Amazônia.

Alguém que veio para ficar, habitar. O lema Episcopal pode ser lido nos passos do exercício de seu ministério de bispo “Habitou Esse habitar, o modo da habitação certamente lhe foi concedido pelo carisma espiritano, o carisma que segue a força do Espírito que envia. Recordemos o texto de Lucas: O espírito do senhor está sobre mim porque ele me ungiu enviou-me para anunciar a Boa Nova aos pobres”. Com a força do Espírito tinha preferência para estar entre os pobres, os ribeirinhos, os indígenas sem deixar de alentar e despertar aqueles que mais tem.
Deixou-se guiar pelo Espírito, quase como um barco agitado pelas ondas. Como bom espiritano, viveu pobre, despojado, desapegado, não teve ostentação. Sua característica era a simplicidade. Às vezes parecia até ingenuidade, mas não era ingenuidade, era sabedoria do Espírito, a singeleza e a esperteza de uma pomba. E, hoje, apenas confirmamos o que tínhamos percebido: não apenas que habitou entre nós, mas acabou habitando em nós. Nos atraiu com seu modo, com a sua espiritualidade, com a sua palavra, com seu silêncio, com a sua presença.
A sua dor, o seu sofrer sem queixumes, mas sempre no desejo de viver e permanecer em entre nós, animará a nossa vida de igreja em Manaus, porque ele não está apenas entre nós. Ficou em nós pelo seu testemunho.
Um homem que no auge de sua vida sente diminuírem as suas forças, desaparecer a sua voz, cerceado os seus passos, mas o coração desejoso de sair, sair, sair e encontrar, acalentar, animar, um sofrimento que o purificou e que será graça para nossa igreja de Manaus.

Permanecerá entre nós e em nós pela palavra. Palavra falada, palavra escrita. A sua pena era ágil, sábia, contundente, perspicaz, animadora. Como apreciávamos seus escritos inspirados pelo Espírito, pois sabia ler a realidade social, política e religiosa. Sabia discernir nos seus textos os caminhos do Espírito. A força extraordinária de suas palavras e escreveu até o fim. A voz lhe faltou, mas não lhe faltou a palavra. As palavras que perderam o som tornaram-se audíveis no seu semblante, na sua abertura, no seu desejo de servir. Nele vimos as palavras de Paulo quando escrevia: “Pela graça de Deus sou o que sou. A graça de Deus em mim não foi em vão. Trabalhei mais do que todos, não eu mas a graça de Deus que vive em mim”. Um missionário espiritano sem Fronteira, tendo apenas como fronteira o amor. Um amor generoso, gratuito, aquele do espírito. Assim, ao meditar os seus dias, aprendemos como viver mais e melhor Evangelho. Ele despertou em nós a admiração e respeito, mas também afeto. E entre nós permanecerá, pois como igreja vivemos da comunhão dos santos.

Hoje podemos cantar louvando e pedindo: Sou bom pastor ovelhas guardarei não tenho outro ofício nem terei”. Sim, queridos padres, somos pastores e temos muito a aprender com a Vida Ministério desse nosso irmão e pai. Guardar ovelhas, defendê-las, mas defenderás como único, como nossa vocação e missão que recebemos pela imposição das mãos e a Invocação do mesmo espírito.

Olhando para a vida-missão desse nosso pai-irmão, vemos que é decisiva, transformante e configurante “quantas vidas eu tiver eu lhe darei”. Sim, nossa vida dada, ofertada, entregue sem reservas, como ele. Não temer em servir. É que Jesus está em nós. Servidor de todos nós. D. Sérgio não se resguardou, se doou.

Hoje, no entanto, também temos necessidade de uma palavra de gratidão. Gratidão aos cuidadores, aos nossos irmãos e irmãs com desvelo e afeto estiveram com Dom Sergio no tempo do caminho da cruz até chegar a ressurreição. Gratidão aos padres que o acompanharam, manifestaram a Ele o afeto. Os diáconos prontos a servi-lo. Nossas religiosas e religiosos atentos as suas necessidades. Aos médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras que ofereceram alívio e foram presentes, presença de proximidade. Tantos irmãos e irmãs que sempre rezaram por ele e que, infelizmente, pela pandemia não puderam o visitar. Aos nossos irmãos da Congregação do Espírito Santo, oficialmente denominada “Congregação do Espírito Santo sob a Proteção do Coração Imaculado da beatíssima Virgem Maria”, nossa profunda gratidão. Gratidão por terem dado um tão grande irmão, fiel às inspirações do Espírito, foi testemunha da força do Espírito nestas terras abençoadas da Amazônia. Aos familiares de Dom Sergio nossa gratidão por nos terem oferecido um irmão para ser nosso pai. Aqui ele se sentia em casa e nos tinha como irmãos e irmãs e todos nós nos sentimos parte de sua família, a família dos irmãos de Dom Sergio. Aos nossos irmãos e irmãs da Prelazia de Tefé, nossa gratidão. Ele estava em Manaus mas sempre um pedaço do seu coração continuou em Tefé. É que vocês ajudaram a plasmar o seu ministério episcopal.

A quem mais agradecer? A primeira leitura da carta aos romanos nos ensinava: Depois isso o que diremos? Deus é por nós, quem será contra nós? Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo? Em tudo somos mais que vencedores graças Aquele que nos amou. Tenho certeza, continua Paulo, de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem altura, nem profundeza, nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus nosso senhor. E nós acrescentaríamos: nem o Parkinson o separou.

Tudo agora, irmãos e irmãs, na Trindade Santa. Tudo agora transfigurado, não mais figuras, tudo agora para além de figuras. Nada mais de figuras. Agora vem a realidade dos eleitos. Hoje, temos quase que uma obrigação agradecer por nos ter dado um tal irmão, pai e pastor que veio habitar entre nós, em nós. E na gratidão caminhamos como igreja que é sinal do reino da verdade, da justiça, do amor e da paz. O caminho de discernimento, a caminho discernindo os itinerários do Espírito e um dia estaremos também nós, com ele, diante do cordeiro, pois lavados e purificados pelo sangue do amor gracioso e gratuito, sejamos, queridos irmãos e queridas irmãs, como Dom Sergio, testemunhas de que Deus habita entre nós. Amém.

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