O bispo está preso – Artigo publicado no Jornal Em Tempo – 26 e 27/12/2020

O estado do Rio de Janeiro continua a ser referência nas mudanças que ocorrem na sociedade nacional. Por isto, quando o senador Crivella foi eleito prefeito da capital, parecia que entrávamos num novo tempo no Brasil, em que as Igrejas neopentecostais assumiriam explicitamente o poder político. É claro que a principal bandeirado senador, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, era o combate à corrupção. Mas o que vemos no final de seu mandato é uma mistura de incompetência com propinas e todos os ingredientes que fazem dos mandatos uma banca de negócios, da qual não escapa ninguém. Não me surpreendeu a trajetória do bispo/senador. Em primeiro lugar, porque para dirigir uma prefeitura como a do Rio de Janeiro não basta ser um bom dirigente de Igreja Pentecostal.

Na Igreja não existe democracia e os dirigentes têm autonomia para nomear os pastores e são eles que decidem onde investir o dinheiro. Sua vontade é a vontade de Deus. Não deu outra. É considerado o pior prefeito que o Rio já teve em termos administrativos. Mas a corrupção como se explica? Acho que aí entra um elemento religioso. A teologia da prosperidade leva a pensar que qualquer coisa que dá lucro vem de Deus. Os corruptos são em geral oportunistas que se aproveitam de amizades, parentesco, para juntar dinheiro a dinheiro. São pessoas que não necessitam trabalhar mais, basta manter-se ligado ao poder. Infelizmente alguém tem que pagar a conta e este alguém são os pobres. As famílias ricas do Rio de Janeiro continuarão cada vez mais ricas e os traficantes continuarão a dominar os morros e favelas.

Espero que o povo atente-se para o perigo que representa uma neopentecostalização do Estado brasileiro, exatamente pela ideologia que ela representaria, o que tornaria o Estado refém destes grupos. Estamos numa democracia e estes grupos têm a possibilidade de chegar ao poder legalmente, via voto popular. Espero que a eleição do senador da república para a prefeitura do Rio sirva de exemplo para todos. É possível acontecer que, de repente,nos vejamos governados por gente que não represente mais os ideais democráticos que os elegeram. O povo é sábio e faz uma inversão na próxima eleição, mas pode não dar tempo e seremos nós que vamos pagar a fatura. E veio a pandemia, assim como outras situações difíceis, em que o povo depende da prefeitura e aí se percebe o despreparo. O discurso religioso não é suficiente para governar. O candidato pode ser um santo. Espero que os dirigentes neopentecostais desistam do projeto de dominação que parecem ter em mente. A forma de ser cristão neopentecostal não leva necessariamente a uma visão autoritária da sociedade e a um vale tudo para enriquecer. Mas confesso que vendo o resultado das últimas eleições não sou otimista quanto ao futuro do Brasil. Mas tenho esperança que a ação de grupos pró-democracia possam, usando armas legais, reverter o quadro. O caso Crivella leva pelo menos a pensar nas voltas que o mundo dá. Ele provavelmente vai se safar desta. E a sua Igreja continuará a fazer um desserviço à sociedade brasileira.

 

ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO EMÉRITO
JORNAL: EM TEMPO
Data de Publicação: 26 e 27.12.2020

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