Celebramos esta semana a festa da Imaculada Conceição de Maria. Se o seu nascimento é celebrado no dia 8 de setembro, ela foi concebida nove meses antes, sem o pecado original. Todos nós nascemos envoltos pelo mal e propensos a pecar. Mas, a doutrina nos diz que para preparar uma mãe que fosse digna de gerar seu filho, Deus a preservou da culpa original. A festa este ano não teve a tradicional procissão que leva milhares de devotos a percorrer as ruas do centro da cidade. Missas foram celebradas durante todo o dia na Catedral, mas o ato principal do dia, uma celebração eucarística, foi realizado no porto de Manaus.
Lugar significativo, o porto é por onde passam todos. É lugar do comércio. Maria é mãe de todos indistintamente. Não só dos católicos praticantes, mas de todos. A hora escolhida também foi a hora que o sol ainda brilhava soberano nos céus de Manaus. O sol que sempre está brilhando, não importa se acima das nuvens. O sol é Jesus, que estava lá, iluminando, aquecendo os corações. De repente o tempo mudou e veio o temporal. E o andor de Nossa Senhora, uma berlinda feita com arte e restaurada, saiu em procissão e circundou o povo iluminado.
Todos os que já viveram a experiência de um temporal nos rios amazônicos devem ter se lembrado da experiência. É quando as Ave Marias saem do nosso coração e ela é invocada. Não se esquece nunca destas coisas. Assim a celebração tornou-se uma celebração amazônica. Vivemos os medos ancestrais de quem vive na floresta. No início da missa todos fomos convidados a levar uma flor para Nossa Senhora, repetindo o gesto feito por tantos durante o novenário.
Na homilia que correu o mundo, o arcebispo fez a pergunta do livro do Gênesis: Onde estás? Uma espécie de refrão. E concluía ele que a sociedade de hoje, a geração atual não sabe onde está. A pandemia do Coronavírus veio mostrar as nossas incoerências. Eu procurei a resposta na celebração. Estamos na Amazônia dos calores infernais e das tempestades destruidoras. De repente passamos de um sol escaldante para uma chuva fria e tivemos que aguentar e nos adaptar ao clima. E nos adaptamos felizes por estar ali. Sentíamos a presença de Maria junto de nós.
Ela havia transformado aquele ambiente hostil numa grande casa comum. A Igreja no seu aspecto feminino nos acolhia como mãe. Continuamos a tradição de louvar a mãe de Deus e nossa, e sabíamos que estávamos ali por causa de uma pandemia que exigiu de nós sacrifícios. Olhando para o pároco da Catedral que assumiu a coordenação da festa, vi no seu semblante cansado o resumo de todos os sentimentos na alegria do dever cumprido, na gratuidade dos esforços feitos e na gratidão a todos os que colaboraram para que a festa acontecesse. E a festa da Eucaristia aconteceu na Amazônia tão sedenta dela. Foi um privilégio participar presencialmente, mas tenho a certeza que muita gente ao redor do mundo participou virtualmente. Ela nos ajudou a entender melhor o neologismo ‘amazonizar-se’ que hoje os amazônidas propõem ao mundo.
ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO EMÉRITO
JORNAL: EM TEMPO
Data de Publicação: 12 E 13.12.2020