Caríssimos Irmãos, caríssimas irmãs.
A palavra e a unção, a unção e a palavra. Voltamos hoje à Nazaré onde fomos nascidos pelo Espírito para o nosso ministério presbiteral. Como de costume, hoje, sábado, entramos na tenda dos mistérios para deixar Ressoar em nós a graça do ministério recebido. Nos foi entregue mais uma vez o livro de Isaías. A liturgia Sagrada desenrolou o livro. O Espírito do senhor está sobre mim porque ele me consagrou com unção para anunciar a Boa Nova aos pobres e nos disse: hoje se cumpriu esta passagem da escritura que acabastes de ouvir. O escritor hebreu André Neher, no livro “Exílio da palavra” nos faz ver que a Bíblia não é o livro da palavra, mas do Silêncio, porque palavra-silêncio, silêncio que gera palavras. O livro é um extraordinário exercício de aproximação ao silêncio, ao silêncio existencial hermenêutico. A sagrada escritura é um incessante corpo a corpo com as práticas humanas fundamentais: falar, andar, odiar, sofrer, viver, morrer, dar sentido, ser outro de nós mesmos. Passando por Abraão, Jacó, Ezequiel, Jonas, Elias e tantos pequenos e grandes personagens bíblicos, Neher Interroga as provas mais duras e mais fecundas presentes na sagrada escritura. Na palavra perscrutada permitiu que o sobrevivente do campo de concentração pudesse escutar o silêncio de Deus no campo de concentração, abordar o silêncio de Deus. Quantas vezes não havia Jesus escutado a Isaías, mas naquele dia ao desenrolar o livro o Silêncio deixou ressoar a palavra e a palavra revelou-lhe a vocação e a missão: anunciar o reino de Deus.
Jesus se ouve e se lê nas palavras do profeta. O silêncio ecoa a palavra, o silêncio desenrola as palavras e Jesus ouve silêncio-palavra revelativo. Jesus sente-se agora chamado e enviado. Sente-se ungido pelo espírito que nasceu do silêncio da palavra. Como ele, voltamos para o lugar do nosso nascer, da nossa criação. A missa do Santo Crisma é o espaço que nos acolhe para estarmos na atenção do nosso nascer da nossa criação identitária, o espaço que nos coloca de pé para fazer a leitura da nossa vocação e da nossa missão. Ao desenrolar o livro o silêncio deixa ressoar a palavra e as palavras nos remetem, mais uma vez, para nossa vocação, a nossa missão, o nosso ministério. Somos hoje recordados que somos em primeiro lugar leitores, escutadores, somente depois anunciadores, proclamadores e mesmo na proclamação de leitores, escutadores. Foi na Proclamação que Jesus se leu como visão do Pai, missão do Pai.
O encontro de Deus com o profeta no Monte Horebe, Martin Buber curiosamente traduz assim: Para fora! De pé! Para montanha diante da minha face. E passando ele e após o terremoto um fogo e ele não no fogo, mas após o fogo A Voz do Silêncio suspenso. Deus, A Voz do Silêncio suspenso, voltar à Nazaré e entrar na tenda, na casa da palavra, para deixar na Voz do Silêncio suspenso, deixar-se encontrar pela palavra. É o silêncio que concede às palavras uma nova força novo vigor, nova hermenêutica, pois é o silêncio que recolhe as palavras, possibilita uma nova criação. O silêncio sutil reverbera, quando feito palavra, assim na graça do silêncio que a palavra conserve e faz nascer palavra, nós nos tornamos palavra. Hoje se cumpriu o que acabaste de ouvir.
Somos homens da palavra, no tempo da palavra vazia. A palavra já não percute. A palavra pela falta da Voz do Silêncio suspenso, a palavra não repercute, e talvez por isso, mesmo em nós, não ressoa mais a Palavra que é Jesus e nem ecoa mais a palavra que faz nascer a nossa vida e a nossa missão. No desenrolar o livro do silêncio que deixa a reverberar palavras, somos convidados a desenrolarmos a nossa existência, deixando-a sempre mais aberta para ser fecundada e então, sim, deixarmos ecoar a palavra de Deus. Somos palavra nascidos do silêncio pois nascemos no encontro onde tudo ainda esse silêncio, no encontro não existem palavras, as palavras nascem depois são como que o ecoar do silêncio do encontro, deixam ressoar o Encontro do Amor, o chamado do espírito que repousa em cada um de nós. No tempo da violência, da agitação do vozeril das multidões, das confusões, das palavras de ódio e morte sobrevoando a nossa sociedade, somos, queridos irmãos, chamados a voltar à casa do Silêncio-alavra e deixarmos ungidos pelo espírito que tudo transforma e concede Vida, Vida Nova. Na Voz do Silêncio suspenso ou no silêncio sutil, somos enviados na graça da unção pelo Espírito. As leituras que acabamos de ouvir nos despertaram para a presença da unção.
Vamos nesta liturgia benzer o óleo para os catecúmenos, o óleo para os enfermos, vamos consagrar o óleo do crisma, o óleo da vida nova e da filiação, o óleo do consolo e da saúde no espírito, o óleo da unção da dedicação, da consagração. Na Eucaristia em que a igreja prepara os olhos aos nascidos e aos adoentados, e consagra o óleo da bênção da dedicação e da consagração, somos acordados para o nosso nascer, crescer e maturar da nossa vida e missão, na renovação das nossas promessas sacerdotais, do nosso compromisso, melhor, do nosso amor. Só o amor compromete. Nenhuma razão, não fosse o toque sagrado de uma busca que Deus fez de cada um de nós, não buscamos a Deus foi ele quem nos buscou. Fomos ungidos, somos ungidos. Fomos ungidos no batismo, fomos ungidos na crisma, as nossas mãos foram ungidas mas ungidos para ungir.
Como vimos por duas vezes, o Espírito do Senhor está sobre mim porque ele me consagrou com a unção. Ungidos para ungir, no entanto é para os pobres, os presos, os doentes e quanto estão tristes e abandonados. A unção, amados irmãos, nos diz Papa Francisco não é para nos perfumar a nós mesmos e mesmo ainda para que a conservemos no frasco pois o óleo tornar-se-ia rançoso e o coração amargo. E ele continua: O sacerdote que sai pouco de si mesmo, que unge pouco ou perde o melhor do nosso povo, aquilo que é capaz de ativar a parte mais profunda do seu coração presbiteral, quem não sai de si mesmo em vez de ser mediador torna-se, pouco a pouco, um intermediário um gestor. A diferença é bem conhecida de todos. O intermediário e o gestor já receberam a sua recompensa. É que não colocando em jogo a pele e o próprio coração não recebem aquele agradecimento carinhoso que nasce do coração e aquele deveria preciosamente em satisfação deriva preciosamente, precisamente a insatisfação de alguns que acabam por viver tristes, padres tristes e transformados numa espécie de colecionadores de antiguidades ou então de novidades, em vez de serem pastores com cheiro de ovelhas, serem pastores no meio do seu rebanho, pescadores de homens. Fomos enviados, queridos irmãos, para ungir. Nos realizaremos como pessoas ungindo nos tornaremos sempre mais padres, pais ungindo. Nos faremos cada vez mais igreja ungindo.
Vamos, então, ser uma unção generosa e livre como um óleo que escorre generosamente pelas vestes do nosso Ministério. A generosidade nos realiza, nos transforma, nos faz mais humanos mais divinos. A desmedida do amor nos devolve a nossa origem que nos coloca de pé, na nossa fragilidade e finitude somos sustentados pelo unção que recebemos e oferecemos. Está aí a nossa liberdade, nossa liberdade tão vigorosamente expressa Isaías: O senhor me ungiu, enviou-me aos Humildes as almas feridas, aos cativos, aos presos para proclamar a graça do Senhor para consolar dar o óleo da alegria. Quanta grandeza o espírito que nos unge para ungir. Vós sois os sacerdotes do Senhor ,os abençoados por Deus, terminava primeira leitura: “ungidos para ungir”.
A missa do crisma rememoram a unção recebida e o envio mas somos, hoje, chamados mais uma vez ao nosso “aqui estou!”. Diante de Deus e da igreja aqui reunida e cheios de contentamento e disponibilidade com cheiros de ovelhas, aceitaram a unção e o envio. Vamos, então, hoje renovar a nossa vida e ministério nesta igreja particular e sermos a presença do Silêncio de Deus que fala aos mais necessitados.
Mas antes de pedir que removem com disponibilidade e prontidão a vida e a missão presbiteral, sinto necessidade de agradecer. Gratidão pela disponibilidade de cada um, dedicação ao povo de Deus, às nossas comunidades, à presença reconciliadora e consoladora. Agradecer o que cada um realizou nesses dias e pandemia. Quanta dedicação, quanta prontidão ao traduzir bem-aventurados os misericordiosos, um profeta, um poeta traduziu: “de pé os matriciais”.
A generosidade desses dias me fez lembrar esta tradução. De pé os que são do ventre matriz, de pé os que são do ventre, de pé os que gestaram e geraram na gratuidade do ungir, gratidão por um ungirem o povo na escuta, gratidão por abrirem os olhos para perceber a presença de Deus nesse tempo em que pensávamos ele ter nos esquecido. Agradecer aos que estão nas regiões mais pobres, vivendo pobres. Gratidão por terem saído de si mesmos, sendo consolo e conforto. Agradeço a cada um que foi presença confortadora nos dias mais difíceis nos nossos cemitérios. Na gratidão, peço que não se esqueçam que são dos pobres, não se esqueçam dos pobres.
Queridos irmãos, queridas irmãs aqui presentes, e os que nos acompanha pelos meios de comunicação todos nós somos ungidos e sobre cada um de nós repousa o espírito que nos envia.
O livro desenrolado na liturgia de hoje convida a abrir ouvidos e olhos. Como é difícil abrir hoje os ouvidos e os olhos, ver a essencialidade de toda a realidade, mas também da nossa vida e da nossa vocação como cristãos, como batizados. Todos nós recebemos a palavra da nossa vida, mas também a escutamos e a entregamos a todas as pessoas necessitadas.
Na sociedade, hoje, quase dilacerada sejamos presença ungida e restauradora junto aos que sofrem e não encontro no lugar de liberdade e paz. Ungidos enviados, ungidas e enviadas, anunciadores e anunciadoras de uma boa nova, proclamadores da liberdade dos filhos de Deus, liberdade aos oprimidos no corpo e no espírito oprimidos pela opressão da ganância do desfrute da ideologia que divide e mata. Nós somos anunciadores e anunciadoras do amor que tudo reconcilia e refaz.
Peço a todos os meus irmãos e irmãs! Amém os padres, rezem por eles, permaneçam unidos a eles com afeto e a oração, para que sejam sempre pastores, segundo o Coração de Deus.
Aquele que nos ama, que pelo seu sangue nos libertou do pecado e fez de nós um reino de sacerdotes para o seu Deus e seu Pai, a ele a glória e o poder pelos tempos sem fim. Eu sou o alfa e o ômega, aquele que é que era e que há de vir, o Senhor do Universo. Amém!