Teresa Wilma – Artigo de Dom Sergio Castriani – Jornal Em Tempo 5.7.2020

Muitos amigos partiram desta vida nas últimas semanas. De todos eu gostaria de escrever algo que ficasse para a posteridade. Os estilos deveriam ser diferentes, tal a riqueza humana por trás dos números que a cada dia aumentam. Para alguns deveria compor versos poéticos, tamanho foi o lirismo nas suas vidas; para outros o melhor seria escrever romances hagiográficos, tamanha a santidade de suas existências, ou melhor ainda escrever epopeias. São heróis e heroínas do cotidiano, que possibilitam a vida do mundo.
O Brasil e o mundo perdem poetas, romancistas, garis, cozinheiros, esportistas, professores, aposentados ainda ativos, cuidando dos filhos dos filhos numa duplicação do amor materno e paterno, que as crianças pegam no ar, e se aproveitam.
Nestes dias, faleceu Dona Teresa Wilma, uma senhora que conheci em Tefé desde a minha chegada. Era do grupo de risco, tanto pela idade como pelas comorbidades. Chegou a ser internada saindo da UTI algumas vezes. Finalmente veio para Manaus onde faleceu.
Pensei logo em fazer esta crônica para desta forma agradecer tudo o que ela representou para mim, como bispo, mas antes de tudo como gente. Amazonense de Tefé, cidade de mulheres fortes e intelectuais, todas marcadas por Santa Teresa, a padroeira. Mãe de família, criou 11 filhos, dois falecidos. Todos casados lhe deram netos e netas. Esposa, viveu com Evilásio desde dezembro de 1958. Eram agricultores, gente simples. Se tinham sonhos era para os seus filhos que conseguiram educar.
Nos últimos anos sua vida foi cuidar do seu Evilásio, seu marido e companheiro de toda uma vida. Ele foi diagnosticado com o Mal de Parkinson há quase vinte anos. Quando eu mesmo me vi com esta doença, que não mata mais judia, demos boas gargalhadas juntos. Choramos também porque ninguém é de ferro. Seu Evilásio foi motorista da Prelazia de Tefé uns trinta anos. Caboclo amazonense foi amigo, foi companheiro nas viagens ao Japurá e ao Juruá, sem contar algumas nos arredores de Tefé. Em geral Dona Teresa nos acompanhava. Assumia a cozinha do barco, mas nos momentos livres se ocupava com o material de catequese preparando os encontros que fazia com as comunidades onde parávamos.
Meu pai quando foi à Tefé pra minha ordenação conheceu seu Evilásio, e pediu para ele que cuidasse de se filho bispo. Eles levaram a sério este pedido e discretamente tomaram conta da minha vida nos últimos vinte e dois anos. Nunca foram invasivos, mas sabiam dar seu recado, como quando brincando, eles me perguntaram se eu ainda era o bispo de Tefé. Nos últimos anos uma das minhas frustrações foi não ter vivido mais essa amizade, e tantas outras que formam um tesouro espiritual. Depois que foram batizados no Espírito passaram a ter uma vida religiosa viva, com fogo espiritual.
Dona Teresa era uma Senhora. Controlada emocionalmente, era sempre uma boa conselheira. Culta, formada em pedagogia nos cursos que a Universidade de Juiz de Fora ofereceu em Tefé para formar os professores. Manteve-se sempre popular, participando dos festivais folclóricos de Tefé. Matriarca, educou seus filhos e filhas, todos com personalidade. Com seu jeito manso de falar, foi diretora de escola no bairro do Abial.

ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO EMÉRITO
JORNAL: EM TEMPO
Data de Publicação: 05.07.2020

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