Um sonho – Artigo de Dom Sergio Castriani – Jornal Em Tempo – 18 e 19/4/2020

Hoje é dia do índio. Dia de sonhar junto com o Papa Francisco, com um encontro cultural que supere o pesadelo que tem sido para os povos indígenas o encontro com a cultura ocidental, que há cinco séculos insiste em destruir suas identidades em nome de uma civilização que chega até eles com um poder destruidor que arrasa culturas milenares e deixa um rastro de morte por onde passa. As mineradoras, os garimpeiros, os destruidores da floresta, são subprodutos de uma sociedade, cujos valores são o lucro e a ostentação, que alimenta o preconceito, mostrando os povos originários como os inimigos do progresso. Conquistas dos indígenas a ordem constitucional do país corre perigo atualmente, o que tem obrigado as lideranças indígenas a estar muito atentos junto com seus aliados para brecar ações que reduzem as terras indígenas.

A igreja já pediu perdão oficialmente pelo que aconteceu na época do Brasil colônia, mas ainda existem evangelizadores católicos e não católicos que insistem numa visão de que o índio não tem religião, e se a tem é uma religião idolátrica que, no mínimo, tem que ser superada. O encontro entre as duas visões de mundo, entre a espiritualidade do índio e do homem ocidental ainda não aconteceu. Quando acontece está viciado por ideias preconcebidas. A primeira é ver estas culturas como coisa do passado. Temos belíssimos museus onde os ornamentos indígenas estão expostos, mas isso era nos tempos antigos, porque no embate cultural, eles perderam.

Olhando para a situação econômica das aldeias e das terras indígenas, com um olhar de quem quer terra para lucrar, a impressão é que não fazem nada. Esquecemos que as necessidades materiais de um indígena são muito diferentes e essas comparações são puro preconceito. Os índios também não querem ser tratados como peças de museu. Tem todo o direito de usufruir das conquistas da humanidade como qualquer ser humano. A atitude de quem quer estabelecer este diálogo que ainda não aconteceu ou que está restrito a especialistas é de partir do respeito pelo diferente. Não confundir pobreza material com falta de espiritualidade e sabedoria.

Considero um milagre, de sinal da presença divina na história humana, a sobrevivência das culturas indígenas. Apesar das transformações, porque cultura é dinamismo conservam as intuições milenares fundamentais: a comunhão com a natureza, a propriedade comum, o sentido da festa, o respeito pelos mais velhos, o ser que vem antes do fazer, a capacidade de sofrer e de calar, entre outras.

É importante conviver com os índios, pedindo licença para os mesmos, apoiando suas lutas pela terra e por educação e atendimento à saúde diferenciados. Como Instituição não pode haver dúvidas de que lado a Igreja está. Os fiéis católicos deveriam ser formados para o diálogo, superando preconceitos na convivência com estes povos. O povo precisa saber quem são os índios, as riquezas de suas culturas, e como o Brasil pode ser um país melhor se dermos mais atenção aos povos originários, respeitando as diferenças e nos encontrando nas raízes culturais que nos fazem humanos. Oxalá o sonho de um país pluriétnico se torne uma realidade.

ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO EMÉRITO DE MANAUS

JORNAL: EM TEMPO

Data de Publicação: 18 e 19.4.2020

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