Jesus Ressuscitou, ele venceu o poder da morte, saiu do sepulcro para a vida. É com essa certeza que a Igreja celebra a Páscoa de Cristo. Em Manaus, o arcebispo Dom Leonardo Steiner e seus bispos auxiliares, unidos, celebraram esta solenidade na Catedral Metropolitana de Manaus Nossa Senhora da Conceição, na manhã do dia 12 de abril de 2020, no domingo, o Dia do Senhor, com transmissão ao vivo pela TV Encontro das Águas, Rádio Rio Mar e redes sociais da Catedral.
Dom Leonardo, durante a homilia, refletiu o Evangelho de João que relata a pressa de Maria Madalena em ir ao sepulcro à procura de seu Senhor, de seu Amado Senhor, e encontrou a pedra da entrada do túmulo removida e do Senhor morto apenas restaram sinais de uma presença que se foi, junto com João e Pedro, contatam o túmulo vazio e ainda sem compreenderem a escritura que diz que Ele devia ressuscitar dos mortos. Mas Maria, sentada no jardim do desconsolo e da espera é encontrada por Jesus que a chama pelo nome e se apresenta livre das amarras da morte.
Confira a homilia na íntegra!
“ELE VIU E ACREDITOU” (Jo 20,1-9)
“No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. (…) disse: Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram. (…) Ele viu e acreditou.”
O Senhor ressurgiu, Aleluia!
Irmãs e irmãos, a Liturgia Sagrada da Vigília Pascal anunciava uma alegria incontida no Cântico do Exultet, proclamado na noite de ontem. A morte foi vencida: “Alegra-te ó terra nossa que, em tantas luzes, agora resplandeces; vê como foge do universo a treva, enquanto fulge a luz do eterno rei! Alegra-te também, ó mãe Igreja, ornada toda inteira de esplendor divino! Vê como ressoa neste templo a aclamação do povo”.
A Igreja anunciava a vida brotada da morte e continua a proclamar com a celebração de hoje: o Senhor ressurgiu! Por isso, o primeiro dia da semana recebeu o nome de Domingo; Senhor, em latim, se diz dominus; dominus – domingo; domingo, dia do Senhor, pois dia da ressurreição do Senhor. A morte perdeu o poder sobre a Vida! A vida venceu a morte! Dia do Senhor, domingo, celebramos a vida nova, superação da morte.
A cruz floriu! O deserto da dor, da solidão, do abandono e da morte, trouxe vida nova. No deserto da agonia, do sangue, no deserto da morte, desabrochou a flor mais singela. Ninguém jamais viu flor igual; Cristo ressurgiu!! Na pedra removida, no túmulo vazio, se manifesta a transparência, a candura do Homem das Dores, nosso Senhor Jesus Cristo, transfigurado, ressuscitado! O Senhor ressurgiu, aleluia; aleluia: Louvai! Adorai! o Senhor!
No Evangelho, vemos Maria Madalena saindo de casa, quando ainda não se havia feito dia. Sai de madrugada e nem mesmo se preocupa em encostar a porta da casa, tão apressada estava. Observado o preceito do sábado, conforme a Lei, passadas as primeiras horas em que não podia sair de casa pela prescrição da Lei (Cirilo de Alexandria, Commento al Vangelo di Giovanni/1, Roma: Città Nuova, p. 464), a vimos, ainda envolta pela escuridão, à procura de seu Senhor. Vimos como se dirigia às pressas ao túmulo. Na sua pressa e presteza, vimos como, coração amante, ela vai ao encontro de seu Amado Senhor. Vendo a sua pressa e presteza recolhida e reverente, não nos causa surpresa vê-la de madrugada, mulher, a sós, visitar o Senhor encerrado no sepulcro. Também não nos causa surpresa a sua dor-leveza e liberdade-contrita em buscar, agora em um túmulo, o seu Senhor que a curara. E, enquanto ouvíamos-víamos, quase tivemos o desejo de segui-la, porque nos sentimos, como Maria Madalena, atingidos pelo Senhor descido da Cruz e sepulto.
Sim, Ele o descido da cruz, morto e sepultado, continua a ser o seu Senhor e nosso Senhor!
Ver é graça! Vemos com os olhos. Mas nossos olhos são apenas a indicação da possibilidade de ver. Nos olhos, está a indicação de que somos videntes; vemos. Na realidade, não são nossos olhos que veem, é nossa pessoa que vê. Todo nosso ser vê.
Ao ouvirmos o texto sagrado, nossa pessoa via os movimentos de Maria, e nós a acompanhávamos. A nossa pessoa via, não nossos olhos-ouvidos. Como é extraordinário ver! Mas no texto de hoje o extraordinário é ver sem ver; ver sem ter visto! A sutileza de João está no não ver: Viu e acreditou.
Daí a surpresa de Maria. E que surpresa!… Maria ergue os olhos, os seus olhos descrentes: o susto, o espanto! A pedra da entrada do túmulo removida e, por ver apenas com os olhos, com as mãos sobre os lábios grita interiormente: Tocaram no túmulo de meu Senhor. E, no ver não vendo, no seu espanto, nem sequer se aproxima do túmulo. Sai, com pés ligeiros, em busca de refúgio e consolo, junto a Pedro e João.
Não mais caminhando, mas apressadamente, correndo e, quase sem fôlego, diz a Pedro e a João: Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram! E os dois correram juntos. Mas um é mais ágil, mais jovem, e chega primeiro. O atleta do amor chega primeiro. Mas não entra. Olha e vê apenas as faixas de linho. Chega também o mais velho. Chega depois. Entra. Olha. Toca as faixas, o pano que cobria a cabeça de Jesus. Porém não vê o seu Senhor. De tudo o que fora depositado no sepulcro restam apenas as faixas, o pano e o vazio. Apenas sinais de que “o meu Senhor” estivera ali. Mas a Ele não o viram. Entrou então o outro, o mais jovem, o atleta do coração, ele viu e acreditou. Sim. Acreditou nas palavras de Maria Madalena: tiram o Senhor e não sabemos onde o colocaram.
Rompeu-se o silêncio do sepulcro, removida está a pedra; a entrada do túmulo está livre; no sepulcro vazio, apenas sinais de sua presença. Presença ainda mais morta que o corpo morto; presença morta, invisível aos olhos e imperceptível às mãos. Do Senhor morto apenas restaram sinais: o pano, as faixas e o vazio.
O túmulo vazio, no qual restam apenas sinais de uma presença que se foi. Com o vazio da recordação, os discípulos retornaram à casa de mãos vazias, pois, de fato, eles ainda não tinham compreendido a escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos.
O túmulo vazio não conduz ao Homem das dores, o túmulo vazio não revela a Vida nova, o túmulo vazio ainda não diz do Ressuscitado.
O túmulo vazio é apenas um túmulo vazio que conduz ao quase desespero de não poder mais perceber a presença do Senhor que “caminhava conosco” e que pendeu da cruz.
O túmulo vazio traz o vazio da perda.
O túmulo vazio se transforma na interioridade oca de quem perdeu o convívio e, agora, também o corpo.
O túmulo vazio guarda os sinais da presença!
Porém, o túmulo vazio desperta o coração para novos olhares: viu e acreditou!
O vazio do vazio desperta o coração, para ver o que nossos olhos não veem.
O vazio, no nada dos sinais, a alma enamorada abre-se para o encontro com o Senhor, não com os olhos do corpo, mas com olhos doados, recebidos, ofertados, despertados pela fé.
Assim, o vazio do túmulo se faz caminho. O caminho da fé, não, da certeza; da fé, não, da segurança.
Quase intrigante o silêncio com que a Igreja encerra a leitura e a visão do texto do Evangelho da celebração de hoje: de fato, eles ainda não tinham compreendido a escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos.
O texto desta celebração guarda o silêncio inquietante, apressado, procurante, quase desolador, ao acompanharmos Maria Madalena, Pedro e João até o sepulcro, pois vemos apenas um túmulo vazio, com faixas e panos. Mas, “a nosso Senhor”, não o vimos.
O silêncio do túmulo vazio que guarda apenas sinais, nos faz ver que a fé no Homem das dores-ressuscitado não pode desabrochar de sinais de um túmulo vazio. Mas, o vazio do túmulo com seus sinais, esvazia nossa alma de tantos conceitos/pré-conceitos, de tantos saberes, de tantas seguranças-inseguras e nos preparam para um encontro novo com Jesus.
A alma vazia, a alma livre (Mestre Eckhart), dizia um místico, está pronta para o encontro com o Amor que não é amado. A alma livre, esvaziada, despojada, de cuja entrada a pedra foi removida a pedra, que não guarda mais as exterioridades, que não mais vive dos sinais aparentes de faixas e pano, se apressa, corre na espera de que o amado venha, bata à porta e entre. A alma livre desejosa, amante, corre o risco do encontro.
E se permanecêssemos junto ao túmulo vazio, veríamos que Pedro e João voltam para casa com passos desolados, silenciosos, pesados. Veríamos Maria Madalena vertendo lágrimas, inconsolada, desconsolada, sem consolo, desolada, sentada no jardim à espera. Ela permanece, vazia, junto ao túmulo vazio. Os outros carregam consigo o vazio do túmulo. Viram, mas a Jesus, não viram!
Sentada no jardim do desconsolo e da espera, Maria ouvirá seu nome ser pronunciado por Jesus: Maria!
Então, ela o verá, não mais nos sinais visíveis, mas no encontro que traz à luz uma presença nova!
Ele, livre das amarras da morte, vem e a chama pelo nome.
Maria percebe-se encontrada de um modo tal que Jesus será para sempre o seu Senhor, mestre e guia, razão de sua vida. A sua existência. A sua vida.
Pedro, João e os demais discípulos serão encontrados por Jesus, escondidos, em seus medos.
Quando comer com eles, mostrar as mãos e o lado, exclamarão: Meus Senhor e meu Deus! Ele será o Senhor. Ele será a força, a vida de cada discípulo, na vida e na morte. O Senhor, tornado vida no encontro, se torna morte e vida. Então morte e vida, sempre Vida.
O túmulo vazio, o vazio de nossos túmulos, seja humildemente apenas preparação, disposição, para o encontro com Jesus Ressuscitado.
E, quando Ele aparecer, quando ele se tornar a razão de nossa vida, nas dores, nos sofrimentos, nos panos que nos restaram, os sinais perceptíveis aos olhos, então, serão apenas sinais da liberdade possível de nossa pessoa, para o encontro com nosso Senhor e mestre. E, no encontro, se abre nova vida que Ele nos mostrou com sua morte e ressurreição.
Irmãs e irmãos, o Senhor ressurgiu, aleluia! Por isso, como nos disse São Paulo: aspirai às coisas celestes e não às coisas da terra. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo, em Deus (Cl 3,2-3). O Senhor da Luz, o vencedor da morte nos convida a uma vida nova. Profundamente encarnada, transformada, transfigurada em Cristo: vós fostes revestidos de Cristo (Cl 3,4).
No Ressuscitado, vemos com clareza e clarividência, o sentido e a dignidade da pessoa humana, todos foram resgatados em Cristo.
Irmãs e irmãos, fomos revestidos de Cristo. Porque somos agora, todos, filhos no Filho, filhas no Filho, ninguém pode ser descartado.
Se nos foi dado ver, vejamos nas pessoas desvestidas de dignidade, menosprezadas, marginalizadas, a imagem do Ressuscitado. Ver nos diz: ao lado delas.
Deus nos conceda a graça de nos apressarmos e corrermos e vermos que tiraram o Senhor do túmulo, e permanecermos junto ao vazio do túmulo como Maria Madalena, à espera do ver, mais uma vez, a Vida nova que brotou do deserto da Cruz e transformou todas as coisas.
Todo o universo canta, nesse dia, as maravilhas que o Senhor fez por nós: Alegra-te ó terra nossa que, em tantas luzes, agora resplandeces; vê como foge do universo a treva, enquanto fulge a luz do eterno rei!
Aleluia, o Senhor ressuscitou.
Amém.