Para onde vamos – Artigo do arcebispo publicado no Jornal Em Tempo – 3/1/2019

Quarta-feira de manhã(30/10), no mesmo dia em que na madrugada a polícia matou dezessete pessoas num suposto confronto com marginais, quando os jornais falados e escritos noticiavam o enésimo bate-boca entre o presidente da república e a rede globo, também se propalavam os desdobramentos da crise ecológica do Nordeste devida ao derramamento criminoso de óleo no mar, e o julgamento do delegado que matou a queima roupa um advogado, fiz uma visita que me abriu os olhos para a realidade que insiste em ser mais positiva.

Fui a Iranduba, a convite da Pastoral da Pessoa Idosa, visitar a Casa da Mãe Sara, um lar para idosos que subsiste única e exclusivamente do voluntariado e de doações de amigos do lar. No momento estavam internadas 11 pessoas. Entre essas, uma mulher que foi retirada literalmente da lixeira. Sua história é nebulosa mas, apesar do sofrimento e da dor que desembocaram numa doença que a leva a ter o olhar fixo, vê-se nos seus traços que foi mulher de fino trato, acostumada a mandar e ser obedecida. Um outro hóspede da casa é um senhor de 106 anos que briga todo o tempo, mas que o dia da visita foi até simpático. Pediu para tomar banho, surpreendendo a todos. Havia um cantor, que nos brindou com uma bela canção. Estava muito emocionado por encontrar o Arcebispo. Três dos onze já estão completamente cegos.

Como em todos os lugares, todos festejam e curtem a festa, mas há um grupo que trabalha e trabalha muito para que tudo dê certo. Logo que começou a brincadeira chegou um grupo que faz terapia com música. Todos pobres participando de programas governamentais para a saúde mental da população, e vieram por que souberam que o bispo estava ali. Impressionou muito a limpeza do ambiente e a alegria das pessoas.

Embora seja um trabalho coletivo e voluntário a sustentar a casa, existe alguém que fundou o lugar e não deixou o sonho morrer. Ela se auto define como uma missionária sem Igreja que procurou viver o Evangelho do Bom Samaritano. Confessa que muitas vezes pensou em desistir mas não conseguiu pois é mais forte que ela. Sempre aparece alguém nas horas difíceis e a mão de Deus é tão evidente que não tem como não continuar. É claro que para pessoas como esta missionária de 57 anos, com o filho mais velho com 42 e o mais novo de 16 e com um marido que a adora e faz tudo que quer, o importante no mundo são os seus velhinhos pelos quais daria a própria vida. Eis por que estas pessoas são difíceis de entender. No fim da tarde pensei muito de que lado eu estou no jogo da história. Do lado do povo sofredor, mas solidário, que sabe transformar a dor em festa e faz a vida parecer bonita mesmo quando a injustiça provoca a exclusão, e rompem com a violência e seu espiral de morte e destruição.

O desejo de sucessivos governos de acabar com as obras de caridade, transformando tudo em filantropia encontra resistência nestas instituições. O que aconteceria com os assistidos por elas se não existissem? Provavelmente teriam morrido e já não seriam mais um problema. Mas os seres humanos com certeza teriam baixado o grau de civilização alguns pontos.

ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO METROPOLITANO DE MANAUS
JORNAL: EM TEMPO
Data de Publicação: 3.11.2019

 

 

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