Encerra-se hoje, nas comunidades católicas, a Semana da Família. Reuniões, seminários, fóruns, celebrações e, sobretudo encontros familiares, aconteceram em todo o Brasil. Não foram notícia na grande mídia, mas agiram como fermento e semente de uma sociedade nova num mundo cansado da violência, do consumismo exagerado e das diversas dependências. O grande sonho das pessoas é viver com tranquilidade numa moradia digna, trabalhando e tendo acesso à escola de qualidade e a serviços de saúde rápidos e eficientes. Isto tudo para que se possa ter o conforto de um lar, onde se vivam as relações humanas quotidianas que vão tecendo a nossa vida.
A Semana da Família lembrou que a realização deste ideal depende também de uma espiritualidade. Traduzindo em outras palavras, necessita de motivações profundas que levem a atitudes fundamentais e se traduzam em comportamentos. Para o cristão que tem no encontro pessoal com Jesus o eixo de sua vida, a vida familiar é consequência e condição de viver o mandamento maior que é o do amor mútuo. Ética e moral brotam do reconhecimento do outro, da sua liberdade, dos seus direitos e das suas necessidades. A vida familiar no seu sentido estrito, mas também amplo se pensarmos em todas as relações de parentesco, é o ambiente propício e natural onde se gera a vida social. Onde há vida familiar existe esperança de mudança.
No dia dos pais vivi uma experiência única de evangelização, no sentido de perceber o Reino já presente no meio de nós. Terminávamos a celebração da Eucaristia numa das penitenciárias da nossa cidade. Aproxima-se então um jovem casal e pede que o seu filhinho, de alguns meses, seja apresentado à comunidade. Momento de emoção. Naquele ambiente de liberdade cerceada, de humilhação, de violência reprimida surge uma criança desafiando a todos na sua dependência total dos seus pais ainda adolescentes, numa prova de que a vida sempre recomeça e brota de situações que imaginamos de desespero total e sem saída. Cantamos, pedimos a bênção de Deus para os pais e para o menino, dissemos o seu nome em alta voz e o aplaudimos. Convidei a todos os presentes a cantar a Oração da Família do padre Zezinho. Como em tantas ocasiões e lugares diferentes a participação foi total. Isto sempre me impressiona e confirma a convicção de que viver em família, cuidar e ser cuidado, acompanhar as pequenas e as grandes conquistas, curtir o repouso, celebrar os acontecimentos é o grande sonho das pessoas.
Por isto tudo, o que fizermos pela família, a começar pela nossa, é pouco. E tudo o que destrói a vida familiar e dissemina uma cultura que perverte valores humanos fundamentais é um desserviço à humanidade e ao seu futuro. Famílias renovadas a partir do Evangelho são um dos poucos sinais de esperança que nos restam. Purificar a vida familiar das atitudes autoritárias, da violência das palavras, da violência contra mulheres e criança, do abuso sexual, é tarefa de todos, e aí entra a religião com a sua visão de Deus, para nós e o Pai misericordioso e compassivo, em nome do qual não se pode justificar nenhuma opressão ou perda de liberdade.
ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO METROPOLITANO DE MANAUS
JORNAL: AMAZONAS EM TEMPO
Data de Publicação: 18.8.2019