Todos os anos, na primeira semana da quaresma, o clero de Manaus, assim como o Papa e toda a Cúria Romana, reúne-se para os exercícios espirituais. São três dias de oração e meditação, tudo feito no silêncio porque só ele permite uma real comunicação com Deus e uma comunhão com os irmãos que vai além das palavras. Todos os fiéis deveriam ter a oportunidade de participar de um retiro anual, e muitos o fazem por ocasião do carnaval. Mas para os padres ele é obrigatório. O padre é por definição o homem da oração, que reza sempre e que ensina a rezar. Oração é intimidade com Deus, que é Pai e com ele gasta tempo. O tempo do amor, que é gratuito, sem pressa. É tempo de dizer ao Senhor: tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo.
Jesus na sua peregrinação terrestre passava longas horas em oração. Não sabemos e nunca saberemos os detalhes destas longas noites de vigília. Mas conhecemos pela oração do Pai Nosso, a oração que Jesus ensinou aos seus discípulos a estrutura básica da oração cristã. Ela é sempre um reconhecimento do Senhorio de Deus, um louvor ao seu nome, uma constatação do seu poder e transcendência. O Pai está no céu e seu nome deve ser santificado. Jesus veio para instaurar o reinado de Deus neste mundo. Este reinado acontece quando a vontade de Deus é feita. Retiro é tempo de discernimento e de confronto da vida com a Palavra.
Na segunda parte do Pai Nosso pedimos o pão de cada dia e o perdão dos pecados. Pão e perdão são duas realidades sem as quais não há vida. Santo Agostinho escreveu que tudo o que precisamos pedir está no Pai Nosso e o que não está não precisamos.
Mas o retiro tem uma dimensão que é essencial. Toda oração é pessoal. Somos indivíduos que tem uma história e um relacionamento único com Deus. Somos livres. Mas Deus nos salva numa comunidade. Quando encontramos Deus, encontramos irmãos. Paulo, o grande apóstolo de Jesus, quando O encontrou foi enviado por Ele para uma comunidade. Só uma comunidade poderia autenticar a sua fé. Jesus se retirava também com os discípulos e esta sempre foi a melhor parte da missão, como foi para a irmã de Lázaro. O bispo, junto com os padres, na Igreja local é a garantia da sucessão apostólica e a garantia de que a sua Igreja particular faz parte da catolicidade. Ora, isto não é uma bela teoria, mas uma realidade que é construída no dia a dia pela comunhão afetiva e efetiva entre os presbíteros, diáconos, bispos e o povo de Deus. Os ministros do Evangelho têm o dever de rezar pelas suas ovelhas. Em oração, retirados, estão muito atentos às diversas situações que afligem as pessoas e colocam na sua oração pessoal e comunitária as suas intenções.
O retiro deste ano foi orientado por Dom José Luiz Azcona, bispo emérito de Marajó. Homem de personalidade forte, com uma espiritualidade carismática, ameaçado de morte por causa da sua defesa em favor das crianças abusadas e traficadas no território de sua Prelazia, deu ao retiro um toque de seriedade e de urgência das coisas do Espírito. Terminamos o retiro mais alegres por termos sido chamados a participar da obra da redenção, mais conscientes de nossas fraquezas, mas com a certeza de que o Espírito nos acompanha.
ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO METROPOLITANO DE MANAUS
JORNAL: EM TEMPO
Data de Publicação: 17.3.2019