Magnífico, estupendo, belíssimo, emocionante, eram as palavras ouvidas depois da apresentação do Réquiem de Mozart, na Catedral Metropolitana de Manaus, no dia de finados. Durante mais de uma hora assistimos extasiados a uma das maiores obras clássicas. O clássico rompe as fronteiras do tempo e é simplesmente belo. Mas esta obra para coro e orquestra, e neste dia, apresentaram-se a Orquestra Sinfônica do Amazonas e o Coral do Amazonas, é de uma elaboração técnica que encanta mesmo os ignorantes de música clássica como eu. Uma apresentação na Matriz, como é carinhosamente chamada a nossa Catedral, inevitavelmente atrairia o povão. Aplaudíamos na hora errada demonstrando a falta de hábito da plateia, ou menos em parte dela. Pois haviam sim católicos eruditos acostumados e educados para assistir música erudita. Os músicos não se incomodaram e podia-se ver uma ponta de sorriso nos lábios de alguns.
Por que o clássico não seria popular? O povo é sensível à beleza. O que falta são oportunidades de entrar em contato com esta beleza. Por isto, é louvável a iniciativa de nossa igreja mãe de Manaus de trazer a arte para dentro do Templo e até mesmo para o seu momento maior que é a liturgia. Lembramos que o Réquiem é inspirado na liturgia dos fiéis defuntos com suas antífonas que falam do juízo final. Nele se canta também as partes fixas da missa: o Kyrie, o Sanctus, o Agnus Dei. É evidente a relação entre arte e religião. Sobretudo a música que na elaboração das melodias e acordes toca no espírito, desde sempre é o meio mais utilizado para expressar os sentimentos e as convicções religiosas.
Em meio a emoção, no final da apresentação o pároco da Catedral me disse que esta é a nossa Igreja. A Igreja da Amazônia é a Igreja dos ribeirinhos, dos povos indígenas, das comunidades de periferia. É uma Igreja que tem bispos e padres comprometidos com a caminhada do povo. Somos uma Igreja em grande parte feminina nas suas lideranças e nos seus membros, com destaque para as religiosas. Temos muitas comunidades preservando o meio ambiente. Mas somos uma Igreja que quer o melhor, o mais bonito para seus membros. E a arte faz parte da vida. Vida sem arte é vida sem graça. A gratuidade da obra artística aproxima o artista de Deus. A inutilidade da Arte se aproxima da inutilidade do ato religioso. Alguém poderia sugerir que para contenção de despesas se fechasse a sinfônica estadual. Ouvir música é um luxo que pode ser dispensado. Seria o fim do mundo humano e a abertura para toda sorte de autoritarismos e opressões porque teríamos uma humanidade fechada em si mesma.
Não é todo dia que temos uma apresentação destas num lugar como a nossa Catedral. O ambiente era propício, o dia também. O grande Réquiem apresenta uma visão grandiosa da vida humana que só pode desembocar na eternidade e na ressurreição. Um dos dias que me emocionei na Catedral, foi quando rezamos a missa em sufrágio dos assassinados na rebelião dos presos em Manaus. Eles foram incluídos nas minhas orações neste finados memorável, de Mozart na Catedral.
MATÉRIA DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO METROPOLITANO DE MANAUS
JORNAL: EM TEMPO
Data de Publicação: 11.11.2018