Começamos o mês de novembro celebrando a solenidade de todos os santos e a comemoração dos fiéis defuntos. É tempo de lembrarmos da realidade da morte que nos ronda todos os dias e que é a mais certa de nossas certezas. Assim como os ritos fúnebres nos possibilitam apropriar-nos da morte dos nossos entes queridos, o dia de finados também nos faz entrar no mundo dos que já partiram desta vida. Cada um o faz a sua maneira e conforme as suas crenças, mas todos temos uma relação com o mundo do além, mesmo que for para negá-lo. Uma das características que nos distingue dos animais é o cuidado que temos com os corpos que já não tem mais o sopro da vida. É difícil não enterrar os seus mortos e por isso é grande o drama dos desaparecidos.
Finados, em primeiro lugar, é um dia de saudade. Recordamos os nossos antepassados. A vida não começou conosco. Somos os herdeiros de muitas gerações de homens e mulheres que nos transmitiram a vida, não só biológica, mas envolta numa cultura que inclui valores e sobretudo a fé na vida além do túmulo. No passado estão nossos heróis e heroínas a maior parte deles anônimos. E importante não os esquecer e acender uma vela para todas as almas. Na religiosidade popular o mundo das almas e o nosso é um só. Assim acende-se uma vela para o santo, para honrá-lo e obter seus favores, e acendem-se velas para iluminar as almas que ainda estão se purificando dos pecados cometidos. Para as pessoas que acreditam, isto é tão evidente que não necessita de explicações.
Para os católicos, a prática de acender velas tem um simbolismo forte pois a primeira vela que recebemos foi a vela do batismo que acesa no Círio Pascal dá o sentido da vida nova em Cristo. Esta vida nova proclamamos na liturgia que faz memória da Páscoa de Jesus. Toda liturgia é proclamação da ressurreição, também a comemoração dos fiéis defuntos. Mas a oração católica é também sufrágio. Ela cria e supõem a comunhão dos santos que não termina com a morte mas depois dela é reforçada. Por isso as orações acompanham os falecidos necessitados de purificação no seu encontro definitivo com o Criador. É o que na doutrina católica chamamos de purgatório.
Finados para muita gente foi um feriado a mais que este ano se transformou num feriadão. Para muitos pensar na morte e nos mortos é desnecessário e desagradável. Aproveitams a vida ao máximo por que ela é curta. O mundo ocidental moderno esconde a morte. Já não se morre mais rodeados pelos familiares, mas nas UTIs onde a vida é prolongada artificialmente. Mas seria triste se a vida se resumisse nestes poucos anos que por aqui passamos. Tudo em nós aponta para a eternidade, sobretudo o amor e os amores que insistem em romper fronteiras e não se submetem às amarras de espaço e tempo. Do amor brota a esperança de que um dia estaremos todos juntos de novo e os laços do amor, então, serão eternos. Finados nos lembra que a vida é um exílio que terminará logo. No tempo do exílio temos que estar juntos para fazer a travessia. Novembro é tudo isto e muito mais. Vivamos com alegria este tempo de graça.
ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
PUBLICADO NO JORNAL EM TEMPO
Data de Publicação: 3 e 4.11.2018