Itamarati – Artigo Em Tempo – 16/9/2018

Ontem, 15 de setembro, foi dia de festa em Itamarati. Nesta pequena cidade do Juruá, a meio caminho entre Carauari e Eirunepé, neste dia se celebra São Benedito, o padroeiro da paróquia. Como a festa deste santo na liturgia oficial cai no dia 5 de outubro, parece que este foi o dia que a imagem chegou à cidade. Este santo era um frade de feições africanas que viveu no sul da Itália. Não foi difícil que no Brasil os escravos e os negros libertos se identificassem com ele e se reunissem em confrarias sob a sua proteção. Na Amazônia a sua devoção não é tão grande. No Juruá, reina entre os santos, Francisco das Chagas do Canindé que acompanhou os cearenses, soldados da borracha que vieram para o Amazonas como mão de obra para os seringais. Me parece que o fato de Benedito usar o mesmo hábito de Francisco e ter o cabelo cortado em coroa fez com que o povo daquela região se identificasse com São Benedito.

Até sessenta anos atrás o lugar onde está a sede do município era onde ficava a loja e o barracão do seringal Santos Dumont, ainda dentro do município de Carauari. Toda a região era atendida pelos Missionários do Espírito Santo. Surgiu então a ideia de fundar uma missão que ficasse geograficamente entre as sedes da paróquia da Imaculada Conceição, de Carauari, e a de São Francisco, em Eirunepé. Os padres então se fixaram ali construindo logo uma escola de educação infantil. Ao longo dos anos o povoado desenvolveu-se ao ponto de se tornar município.

Durante quinze anos, quando bispo da Prelazia de Tefé da qual a paróquia de Itamarati faz parte e está situada num dos extremos, visitei Itamarati cada ano, ao menos uma vez. Devido a distância, permanecia ao menos uma semana com o povo da cidade. Fiz três visitas pastorais às comunidades ribeirinhas e ao povo Deni do Xeruã. Sempre fui muito bem acolhido e me davam um prazer imenso essas viagens, que às vezes demoravam cinquenta e seis horas saindo de barco de Carauari, às vezes 40 minutos de avião monomotor de Carauari ou Eirunepé. Uma vez fui de voadeira e gastamos 15 horas. Era mês de agosto e cheguei literalmente cozido.

Volto lá para festejar os sessenta anos da criação da paróquia. Pelo que me dizem, o êxodo rural continuou e há cada vez menos comunidades no interior. A economia continua a funcionar com os salários dos funcionários, aposentados e bolsa família. A prefeitura conta com o fundo de participação dos municípios e repasses como o FUNDEB. A cidade sempre foi politicamente dividida e quem é da oposição come o pão que o diabo amassou durante quatro anos. Do ponto de vista religioso há mais pessoas que foram para igrejas evangélicas, mas o que aumenta mesmo é a indiferença religiosa.

Mas há um diferencial no povo de Itamarati. Sabem ser amigos. O visitante se admira com as saudações que recebe na rua e com o sorriso sincero que as acompanham. Espero encontrar estes amigos sinceros que se alegram com minha presença. É inegável que, nos últimos vinte anos, o interior do Amazonas mudou. Poderia ter mudado muito mais se o desvio de verbas não fosse tão grande e a má gestão dos recursos não fosse a característica de muitos gestores. Mas estive lá para festejar e é isto que fomos fazer.

 

ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO METROPOLITANO DE MANAUS

Publicação: JORNAL EM TEMPO, em 16.09.2018

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