Habitou entre nós – artigo Em Tempo 5/8/2018

Há vinte anos, no dia nove de agosto, fui ordenado bispo em Tefé. O ordenante principal foi Dom Mario Clemente, bispo da Prelazia de Tefé, de quem eu fora nomeado coadjutor. Os bispos coordenantes foram Dom Luís Herbst, bispo de Cruzeiro do Sul no Acre, confrade espiritano, em cuja diocese eu vivera os meus primeiros cinco anos de vida sacerdotal como missionário em Feijó, e Dom Agostinho Marochi, bispo de Presidente Prudente, minha diocese de origem. Os outros bispos presentes foram os da calha do Solimões: Dom Alcimar, do Alto Solimões; Dom Gutemberg, de Coari, e Dom Luiz Soares Vieira, arcebispo de Manaus, que proferiu a homilia. Havia escolhido como lema do meu episcopado “Habitou entre nós” expressando assim a minha convicção que o mistério central da nossa fé e a encarnação do Verbo. Ele assumiu a condição humana até a morte.

Pela ordenação passaria a fazer parte do colégio episcopal e teria uma jurisdição determinada pelo bispo de Roma. Mas para mim, naquela ocasião, eu estava celebrando uma Aliança com a Igreja de Tefé, de quem eu estava sendo constituído pastor. Como num matrimônio, esta relação teria que ser fiel e única para que fosse fecunda. Depois da ordenação fui dois anos bispo coadjutor de Dom Mario, e assim tive tempo para conhecer a Prelazia. Visitando as comunidades encontrei uma Igreja viva e atuante. Grande parte da população é ribeirinha, e nos últimos anos a Igreja tinha feito um trabalho bonito de formação de comunidades comprometidas com a preservação. Longas conversas a noite, antes de dormir, quando se toma o último café, bate-papos nas longas viagens de recreio, assembleias, reuniões de setor foram me introduzindo em um mundo diferente do meu. Fiquei encantado pela cultura ribeirinha, fiz grandes amizades e conheci verdadeiros heróis da fé.

Também me encontrei com os povos indígenas que sobreviveram a invasão sistemática de suas terras, a assassinatos em massa, e a destruição de suas culturas. Visitei nos anos seguintes as cidades da Prelazia. Gente acolhedora e lutadora, convivendo com administrações corruptas e ausência do Estado, educam seus filhos com imensa dificuldade. Procurei servir o Povo de Deus administrando os bens da Igreja, animando as pastorais, formando o clero local, fazendo acontecer a pastoral de conjunto e todos os outros serviços que se esperam do bispo.

Depois de catorze anos fui chamado para Manaus. Aceitei o desafio, mesmo sabendo das minhas limitações, confiando no discernimento da Igreja. Manaus tem sido para mim uma aventura na fé. As cidades invisíveis que se escondem por detrás de suas artérias, mas também o interior com suas comunidades ribeirinhas e indígenas e os seus inúmeros ramais, com a presença de uma Igreja jovem, dinâmica e de forte protagonismo laical me fascinam cada dia mais. Com seu clero tão diversificado, mas vivendo em comunhão, com planos de pastoral e sabendo para onde caminha, vive o ecumenismo e o diálogo inter-religioso sem medo de perder a identidade. Somos acolhedores com os migrantes e solidários entre nós. É uma graça imerecida ser bispo e ser bispo na Amazônia é um privilégio.

 

ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO METROPOLITANO DE MANAUS
JORNAL: AMAZONAS EM TEMPO
Data de Publicação: 05.08.2018

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