A Igreja católica na Amazônia, a partir dos anos setenta, viveu um grande Pentecostes. Foi nesta época que incentivados pela renovação conciliar, por Medellín, e finalmente pelo documento de Santarém, ela começou a formar comunidades. Onde antes as relações eram marcadas pelo sistema de aviamento, o sistema extrativista com seus barracões entrou em crise, e os que não migraram para Manaus iniciaram a agricultura familiar, antes proibida pelos patrões, e a preservação dos lagos. A fé acompanhou a vida e de uma religião de devoções, vivida nos novenários e nas festas dos santos, passou-se a valorizar o domingo e a celebração da Palavra. De uma religião que não questionava as injustiças, os fiéis confrontando a palavra e a vida passaram a ter uma visão profética da realidade. O caminho da renovação no entanto ainda é longo e ainda há muita estrada pela frente. As Prelazias e Dioceses, com suas coordenações de pastoral, fizeram um esforço gigantesco para formar celebrantes e assembleias de fiéis que cada semana se reúnem para dar testemunho de sua fé e alimentá-la pela escuta da Palavra, pela intercessão comunitária, pelo louvor e ação de graças. Existe uma comunidade católica onde acontece a celebração dominical.
Para celebrar bem era necessário ter acesso à Palavra, o que motivou a popularização das Sagradas Escrituras e de livros de cantos e orações. Faltava, no entanto, o acesso aos lecionários, que são a forma católica de aproximar-se das Escrituras na liturgia. O ciclo anual das leituras leva o ouvinte a ter uma visão panorâmica da revelação. Ao acolhermos as leituras propostas pela Igreja fica claro que ninguém é dono do mistério celebrado, e que a Escritura só pode ser corretamente interpretada na Igreja na qual nasceu e que a conservou através das gerações.
Embora a renovação litúrgica, que pode ser resumida na passagem do devocionismo à celebração do mistério pascal, tenha acontecido na Amazônia ainda há muito por fazer e em alguns lugares se nota até mesmo um retrocesso. Para ajudar a nossa Igreja a permanecer fiel às intuições conciliares chamamos as Irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre para ajudar as comunidades celebrar bem. Ultimamente, uma delas, a Irmã Penha esteve, em São Gabriel da Cachoeira para um trabalho de formação litúrgica. Notou a ausência de lecionários e livros litúrgicos, o que é verdade para toda a nossa região. Daí em conversas com os bispos surgiu a ideia de uma publicação que colocasse nas mãos dos celebrantes toda a riqueza da nossa liturgia dominical e festiva.
São Joao Paulo II foi um grande incentivador do domingo. Se quisermos salvar o cristianismo é necessário voltar a guardar o dia do Senhor e no coração deste dia está a reunião da Assembleia que é o seu corpo. Testemunhei nos últimos quarenta anos verdadeiras transformações em comunidades que passaram a celebrar o dia do Senhor. Nelas a força do ressuscitado e a efusão do Espírito se tornam realidade e aí tudo se renova. Quando fé e vida se encontram, o Evangelho se torna cultura e jeito novo de viver. Novas relações entre as pessoas e entre estas com a natureza se tornam realidade.
ARTIGO DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI, ARCEBISPO METROPOLITANO DR MANAUS
PUBLICADO EM 22.07.2018 NO JORNAL EM TEMPO