O vice-presidente dos Estados Unidos da América, na primeira viagem de alguém importante da administração Trump a nossa região, quis fazer uma parada em Manaus para conhecer um dos projetos de acolhida dos migrantes venezuelanos. E o escolhido foi o abrigo Santa Catarina de Sena que fica nas dependência da comunidade que tem esta santa como padroeira e que dá o nome à área missionária. O trabalho está sendo levado em frente com a parceria entre comunidade, Cáritas e ACNUR. Como os organismos da ONU são financiados pelos Estados membros e sabendo das dificuldades para encontrar dinheiro para programas junto aos migrantes, pareceu a todos os envolvidos que uma tal visita tornaria o projeto mais conhecido e valorizado.
Fui convidado para o encontro e aceitei por amor à causa. Vejo cada dia o empenho dos voluntários e sei que não é suficiente boa vontade, até porque fui eu que assinei os projetos e sei para onde vai cada centavo e o que significa mais ajuda. Lembrando sempre que o dinheiro da cooperação internacional é dinheiro do povo. Afinal, o vice-presidente é um funcionário público eleito segundo as regras eleitorais e, bem ou mal, independentemente de sua ideologia é uma instituição nacional. Sabemos que neste nível tudo é politica e nada é gratuito. No discurso que fez ficou claro que seu objetivo era atingir a Venezuela, responsabilizando o atual regime pela derrocada econômica que já levou quase dois milhões de cidadãos a deixarem o pais. No mínimo é um governo incompetente.
Pairava no ar e num pequeno cartaz que alguém conseguiu levar, a questão da separação das crianças de seus pais pela polícia americana, quando os últimos estão em situação ilegal. Diplomaticamente ele justificou o injustificável por que é violação de um direito humano. Apresentamos a ele e a sua esposa o nosso jeito de fazer. Ele teve um encontro separado com as crianças. Encontros são perigosos. A vida é maior que nossos preconceitos e o diálogo sempre traz o risco da conversão. Aliás, a mulher do vice-presidente proferiu uma oração espontânea muito profunda e teologicamente bem articulada o que revelou a vida religiosa do casal.
Mas o que impressionou foi o esquema de segurança que foi montado. Dezenas de policiais norte-americanos literalmente tomaram conta do pedaço e impuseram as suas normas e procedimento. Naquela situação senti o que era estar diante da grande potência dos nossos tempos. Agem com toda naturalidade e talvez nem percebam a relações de poder existentes no mundo. Imaginei o tamanho do avião de cujas entranhas saiu tudo o que iam precisar. Já faz tempo que o poder não me impressiona, mas tenho consciência de como ele pode ser letal e destruidor. Pode também fazer o bem. Se conseguimos testemunhar um pouco da alegria e da felicidade que os encontros trazem a nossa vida e que ali naquele lugar sagrado pela Palavra anunciada, pela Eucaristia celebrada e agora ungido pelo óleo da acolhida do diferente se tornaram mais presentes, valeu como experiência de fé. As pessoas são todas de carne e osso. Somos muito mais parecidos uns com os outros do que gostaríamos de ser.
MATÉRIA DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO METROPOLITANO DE MANAUS
PUBLICADO NO JORNAL EM TEMPO
Data de Publicação: 1º.7.2018