O Artista Católico: o sonho e o chamado

Por Cláudio Cássio da Mata*

“Moisés disse aos israelitas: ‘Vede, Iahweh chamou a Beseleel por seu nome, o filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, e o encheu com o espírito de Deus, de sabedoria, entendimento e conhecimento para toda a espécie de trabalhos; para elaborar desenhos, para trabalhar o ouro, a prata e o bronze, para lapidar pedras de engaste, para trabalhar a madeira e para realizar toda espécie de trabalho artístico.” (Êxodo 35,30ss)

 

Estimados amigos, saúdo cordialmente a todos vós, artistas sacros e religiosos e também a todos que se intitulam artista de alguma forma, aos que dedicam suas vidas através do tão precioso talento que o próprio Espírito Santo lhes concedeu: o dom de formar o belo, de dar forma a beleza divina.

Ambientando o final do texto do capítulo 35 do livro do Êxodo, importa-nos aqui o seguinte: é a primeira vez que aparece na Bíblia a palavra artista (artístico), segundo a tradução da Bíblia de Jerusalém. O fato ocorreu pouco tempo depois da Teofania, ou seja, a manifestação (aparição) de Javé, o Deus de Israel, acompanhado por tempestades, tremores de terra, fumaça, trovões e relâmpagos. Na narrativa, a teofania começa no “terceiro dia” a partir da chegada do povo ao monte Sinai.

Na segunda metade do Êxodo, a teofania se torna permanente através do Tabernáculo e Deus passa a habitar entre seu povo. A importância disto é tanta que a maior parte dos capítulos do livro (25 a 31 e 35 a 40) é gasta descrevendo os planos para o Tabernáculo (em hebraico: “residência” ou “habitação”), o local onde Deus está e onde, através dos sacerdotes, os israelitas podem literalmente estar junto d’Ele.

Destaco três verbos nesta leitura para nossa reflexão:
Chamar – Moisés disse aos israelitas que o próprio Deus chamou a Beseleel por seu nome. Ele era um artesão que trabalhou na construção do tabernáculo. O significado de seu nome é “Debaixo da sombra de Deus”. O talento deste artista na construção do santuário e de seus utensílios era inato, dado por Deus. Era um verdadeiro milagre, pois no Egito os judeus só realizavam trabalho escravo, construindo casas e fazendo tijolos. Nenhum deles tivera experiência, ou mesmo contato, com algum tipo de trabalho artístico ou artesanal mais delicado.
Deus quer contar com você. Quando é com você que Ele quer falar, é o seu nome que Ele pronuncia. Pois, Deus o conhece! “Dar-te-ei os tesouros enterrados e as riquezas escondidas, para mostrar-te que sou eu o Senhor, aquele que te chama pelo teu nome, o Deus de Israel” (Isaías, 45,3)

Satanás quis imitar esse gesto de Deus no jardim do Éden quando chamou Eva pelo nome pra oferecer o caminho do pecado. Não se engane com vozes que parecem de amigos, mas que só possuem conselhos vãos e que desagradam a Deus. O melhor é ouvir a voz de Deus! A melhor forma de ouvi-Lo é adorando-O!
Encher – Deus chama Beseleel para uma função específica e o melhor desta história é que não só chama como também habilita, capacita, enche do Seu Espírito Vivificador. “… e o encheu com o espírito de Deus, de sabedoria, entendimento e conhecimento para toda a espécie de trabalhos…”. Para isso, é necessário crer no Espírito e também pedir. O Espírito Santo, que, segundo as palavras de Jesus, «convence quanto ao pecado», é o Amor do Pai e do Filho que enche os nossos corações, que nos anima, recorda e inspira. O Espírito Santo: Ele, que é chamado pela Igreja «luz das consciências», penetra e enche as «profundezas dos corações» humanos.

Realizar – Os nossos sonhos e vontades devem estar alinhados com o propósito do nosso chamado. Essa deve ser nossa meta principal. Queremos a felicidade, mas não existe felicidade verdadeira sem a santidade. Você quer ser feliz? Então, busque a santidade e ame a Deus sobre todas as coisas!

Na busca de realizar nossos sonhos é importante nos perguntar: isso nos aproxima ou nos afasta do Bem Supremo? E, sobretudo, a pergunta fundamental: isso é a vontade de Deus?

Deus capacitou Bezaleel “para realizar toda espécie de trabalho artístico.” Sei que muitas vezes não realizamos nem mesmo uma espécie de trabalho artístico bem feito, e a culpa é nossa. Pois, não podemos realizar a obra de Deus de qualquer modo. Precisamos estudar e aprofundar, reeducar-nos no exercício da nossa arte. E isso só é possível com compromisso! Quem ama se compromete! Ame e se comprometa!

É preciso recordar que nos últimos tempos, usando as palavras do Santo Papa João Paulo II, “a Igreja está especialmente interessada no diálogo com a arte” (Carta aos Artistas, 10), por reconhecer que a beleza de Deus é a porta que conduz o homem moderno a Ele. Num mundo secularizado, que relativiza a verdade e individualiza a bondade, a beleza é a via que, sutilmente, toca o coração do homem e o eleva às alturas. Os Bispos conciliares já explicavam essa realidade: “O mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para não cair no desespero. A beleza, como a verdade, é o que traz alegria ao coração dos homens” (AAS 58 (1966),13).

Ouso dizer que neste tempo contemporâneo tão transtornado por guerras, terrorismo e corrupção o mundo atual tem uma necessidade, ou melhor, fome da arte sagrada, a começar da poesia. Sim! O mundo tem fome de poesia. Poesia boa, estudada, dialogada e ao mesmo tempo interior. A poesia tem em sua essência a religiosidade, porque ao mesmo tempo em que consola desperta alegria e amor.

No entanto, é necessário perseverar. A perseverança é o que conta na batalha da fé. A Igreja persevera na oração com Maria. Esta união da Igreja orante com a Mãe de Cristo faz parte do mistério da mesma Igreja, desde os seus inícios: nós vemos Maria presente neste mistério, como está presente no mistério do seu Filho. É puro dizer que estar ungido é estar pronto para a missão. Missão orante com Jesus e Maria, esposa do Espírito Santo. Um artista católico que não crê em Maria como intercessora corre o risco de que suas “construções artísticas” sejam mera caricatura. Portanto, sejamos fieis também a fé da Igreja, a nossa fé.

 

* Atualmente, coordena a CAAC (Comissão Arquidiocesana de Arte e Cultura). Tem 38 anos. Casado com Patrícia França da Mata, pai de três filhos. Nasceu aos 11 de Maio em Belém/PA. Radicado em Manaus/AM desde os três anos de idade. Editor de livros. Escritor, cantor e compositor. Autor do livro Amizades são mananciais (Ed.Paulinas-2010, com tradução para o espanhol para toda a América Latina), entre outras  obras. Sua caminhada pastoral iniciou-se aos 8 anos de idade, participando de coral infantil, catequese, teatro  e grupos de jovens, na paróquia Cristo Redentor em Manaus. Foi membro da RCC por 19 anos e conselheiro entre 2004-2006.  De 2001 a 2012, foi paroquiano de São Lázaro (Zona Sul/Manaus). Exerceu atividade musical na Banda Missão Mensagem Viva por quase 10 anos. Divulga suas composições musicais no canal: https://palcomp3.com/claudiocassio.

 

Artigo publicado no Informativo Arquidiocese em Notícias, edição N. 150

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