Numa audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas foi mostrado um vídeo de uma ação de reintegração de posse realizada no município de Manacapuru em favor da empresa Agropecuária Exata. A cena choca pela truculência das forças policiais e pelo método empregado. Diante de crianças que choram, um trator equipado com uma pá niveladora investe contra uma moradia que é pouco mais que um casebre. Aparecem no vídeo galinhas de granja que pareciam ter sido libertadas do cativeiro. Isto tudo foi mostrado depois que a coordenadora da Comissão Pastoral da Terra leu um texto em que narrou os fatos ocorridos em janeiro a partir de uma ordem judicial concedida por um desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas. Num processo que já dura alguns anos, os camponeses foram surpreendidos por uma decisão que, segundo eles e advogados presentes, foi tomada sem respeitar o direito ao contraditório.
As famílias que foram despejadas são formadas por pequenos agricultores que participam de programas de fomento federais e estaduais, e que também foram beneficiadas com programas de melhorias como o Luz para Todos. Muitos tem documentos de posse. Mas como no resto do território nacional, também no Amazonas existe uma bagunça fundiária que só causa confusão na hora de se determinar quem é o verdadeiro proprietário da terra. É tremenda a responsabilidade dos juízes, tal a gravidade das consequências de suas decisões. No caso em pauta eu me perguntei onde fica o direito da crianças e dos velhos numa situação destas. Onde está a sensibilidade humana quando se reconhece os direitos de uma empresa destruindo vidas e semeando revolta e ódio? Não haveria outras soluções para resolver o conflito?
Alguns sugerem que a terra seja desapropriada. Mas isto seria reconhecer o direito de propriedade de uma das partes, que receberia algo que não lhe é devido. E isto faz pensar numa armação para que grupos com influência nos poderes estatais estejam armando um circo para ganhar dinheiro fácil. Muitos agricultores pediam que o Estado defina de uma vez por todas de quem é a terra. Sem esta definição os conflitos vão se perpetuando. O grande pedido no entanto é que fosse suspensa a liminar. Fica difícil entender como funciona a segunda instância e que diferença faz o seu julgamento.
A sensação que fica é que uma estrutura judicial que custa tanto aos cofres públicos, e isto significa que é sustentada pelo povo, faça tanto mal aos pobres, humilhando-os e menosprezando seus direitos. Ordem judicial não se discute, se cumpre e assim deve ser porque, do contrário teremos a barbárie. Mas isto não pode significar carta branca para os integrantes do poder judiciário que tem mecanismos próprios de auto correção. É importante que eles sejam ativados.
Na história da superação da violência ou do seu recrudescimento, a violência estatal é a mais perversa. Ela é cometida por cidadãos armados para defender o povo. Em geral ela também é covarde pois ataca mulheres, crianças e homens indefesos. Aos que tem poder para fazer justiça, pedimos em nome de Deus que a façam.
MATÉRIA DE DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO METROPOLITANO DE MANAUS
JORNAL: AMAZONAS EM TEMPO
Data de Publicação: 25.2.2018