A Reforma

No dia vinte e sete de outubro, participei de uma bela celebração ecumênica em memória dos quinhentos anos da reforma luterana. Convidado, não pude recusar estar junto a irmãos que partilham comigo a fé em Jesus Cristo, o único Salvador. Como católico também quero agradecer a Deus a reforma, que se trouxe tanto sofrimento, porque dividiu o Povo de Deus, levou a episódios de violência e até hoje nos mantem separados, mas também teve como consequência a busca da santidade pessoal e a reforma das instituições eclesiais. Foi a reforma que deu ao cristianismo a possibilidade de ter uma resposta à modernidade.

Cinco séculos depois a nossa geração está sendo desafiada a ter a mesma coragem dos reformadores, com a diferença que nós aprendemos algumas lições da história, ou deveríamos ter aprendido. Uma delas é que a Igreja não deve seguir a pauta de ideologias e nacionalismos e deve estar sempre em guarda com a tirania da economia. Quantas vezes a religião oculta razões perversas e justifica a destruição do outro em nome de Deus. A paixão pela verdade deve ser sempre acompanhada pela caridade que tudo aceita e se recusa a diminuir o semelhante na sua dignidade fundamental de filho de Deus. Aprendemos com a reforma que a fé é suficiente e que só a graça redime. Mas somos humanos e os efeitos do pecado se fazem sentir indistintamente na vida de todos. Daí a necessidade de permanecermos discípulos e ouvintes da Palavra contida nas Escrituras. Só nelas encontramos um ensinamento normativo. A tradição e o magistério nunca podem dizer outra coisa.

Hoje o pentecostalismo e a renovação carismática trazem um avivamento da fé que corre o risco de se tornar refém da instituição. É Deus que conduz o seu povo, ninguém e nenhuma comunidade cristã tem o monopólio da vida nova em Cristo. A plena unidade querida por Jesus será um dom realizado pelo Espírito. Devemos desejá-la e rezar por ela. Quando rezamos e desejamos sinceramente a unidade visível da Igreja ela acontece, muitas vezes em sinais que só a fé pode perceber. O verdadeiro cristianismo é profundamente humano. Se Deus se encarnou assumindo a natureza humana, não há outro caminho a ser percorrido pelo justo se não o da humanidade concreta. Isto significa abraçar a causa dos humilhados da terra aos quais é negada toda dignidade. Assumir a luta daqueles aos quais é negada as condições mínimas de vida e aqueles e aquelas que são massacrados pela violência.

É escandaloso, num país que se diz cristão, o número de jovens assassinados a cada ano, a presença do crime organizado nas nossas comunidades, o tráfico humano, a concentração de riqueza e a exclusão de grande parte da população da assistência à saúde e da educação de qualidade. A teologia da prosperidade que invadiu os templos justifica a riqueza desmedida e os meios muitas vezes duvidosos de alcançá-la. Alcançaremos a unidade no dia em que estivermos convencidos que a Igreja não existe para si mas para servir a humanidade, dando testemunho de uma vida renovada em Cristo, reunida em comunidades de fé e de amor. Que a memória de Lutero, reformador, nos anime nesta empreitada.

 

ARTIGO DE D. SERGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
JORNAL: AMAZONAS EM TEMPO
Data de Publicação: 05.11.2017

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