Ribeirinhos

Mirituba, Airão Velho, Curidiqui, Bacaba, Caioézinho, Seringalzinho, Tambor, Lázaro, Cachoeirinha e Aracari, são comunidades ribeirinhas da Paróquia Santo Ângelo, no município de Novo Airão. Quatro delas estão no rio Jaú e as outras no Rio Negro, todas já próximas ao limite com Roraima e o município de Barcelos. Isto significa que estão nos confins da Arquidiocese de Manaus. Uma parte delas está no Parque Nacional do Jaú, uma unidade de conservação com sérias restrições para os moradores por tratar-se de área de proteção ambiental. A história destas comunidades está ligada aos ciclos econômicos da Amazônia. O rio Jau era muito habitado por seringueiros que viveram a saga extrativista até o final dos anos oitenta. Tive o privilégio de visitá-los no final do mês de julho numa viagem que durou dez dias.

A vida religiosa ribeirinha baseia-se numa fé em que a presença e a atuação de Deus é evidente, sobretudo nos fenômenos naturais. Os santos são companheiros poderosos e são celebrados anualmente e invocados em caso de necessidade. A vida sacramental se resume no batismo e no casamento, celebrados durante as desobrigas. Missa se assiste algumas vezes durante a vida. A vida moral é severa em alguns aspectos como a verdade e a honestidade, mas admite com muita facilidade comportamentos que nada tem a ver com a moral católica. Trabalhando num regime de escravidão, o seringueiro facilmente tornava-se uma vítima do álcool. Hospitalidade e partilha são atitudes que se desenvolvem quando se vive em situação tão adversa.

A cultura ribeirinha apesar das transformações continua a ser diferente. A relação com o espaço e o tempo são marcadas pelas longas distância e pelo tempo gasto em percorrê-las. Os silêncios eloquentes são fundamentais para o diálogo que deve ser sem pressa e de forma circular, isto é, repetitiva. Visitá-los significa encontrar-se com seres humanos que tem uma história de resistência e de luta pela vida, uma fé que pode parecer ingênua, mas que dá sentido à vida. Suas casas sempre abertas colocam-se à disposição do visitante. A sua relação com a natureza faz deles os guardiães naturais da floresta. Mas para que isto aconteça é necessário que tenham qualidade de vida, o que inclui saúde e educação de qualidade.

Durante dez dias eu e minha equipe vivemos no mesmo barco partilhando refeições, rezando e conversando muito.  O barco torna-se um microcosmos. Um verdadeiro hotel sobre as àguas. O motorista, Sr. Felix, de setenta anos, nascido e criado na região; sua esposa Dona Maria, eximia cozinheira e pescadora nas horas vagas; Grênio, um professor, estudou filosofia e teologia, entende de mecânica, conhece o rio podendo dirigir à noite, e ainda tocava violão animando as celebrações; o padre Marco Aurélio, companheiro fiel; e numa parte da viagem a Sandra que ajudou muito na venda e distribuição de roupas que a paróquia tinha mandado. Escutar e contar histórias é a forma mais tradicional de transmitir saberes. Mas isto fica para uma outra vez. Ao contrário da cultura ribeirinha, o nosso espaço e o nosso tempo tem limites rígidos.

 

ARTIGO DE D. SERGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
JORNAL:  AMAZONAS EM TEMPO
Data de Publicação: 13.08.2017

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