Tributo a um amigo

Domingo passado quando terminei de presidir a missa na Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida recebi uma notícia esperada há tempo, o Roney tinha falecido. Derrotado pela dependência do álcool terminara a sua caminhada na terra. Finalmente ia descansar e dar descanso aqueles que o amavam e lhe queriam bem. Desde a adolescência sofreu e fez sofrer família, amigos e no final esposa e filhas. Teve alguns tempos de liberdade como o ano que passou na Fazenda da Esperança quando ficou sóbrio, conseguiu trabalho e até arrumou uma companheira.

Mas a cada embate saia derrotado, humilhado. Voltava a mentir para conseguir dinheiro e as pessoas foram se cansando dele. Só a polícia nunca o esquecia, era sempre o principal suspeito quando ocorria um furto no mercado e ele estava por perto. No final morreu na miséria apesar da família e dos amigos. Morreu numa madrugada sem assistência nenhuma. Não quis ser levado para o hospital, e chegaram para levar o corpo horas depois de avisados. Finalmente a família pode fazer um velório digno. Vieram os pais do interior para o último adeus. Para a filinha mais nova tudo era muito claro; papai foi para o céu. Só pode ter ido depois de tanta tribulação.

Sua dependência não se explicava. Teve bons pais, amor, educação, religião, era inteligente, perspicaz, de relacionamento fácil. Sua única falha moral era mentir. Lembro-me da primeira vez que o encontrei e ele me convenceu que precisava de uma rede porque estava indo para o interior a trabalho. Mentiu até o fim dizendo que não estava mais bebendo. Todos os esforços foram em vão e todos nós que o conhecemos e nos interessamos pelo seu caso estamos com o gosto amargo da derrota, nos perguntando o que devíamos ter feito e não fizemos. Não conseguimos salvá-lo. Ele não poderá dar o testemunho bonito dos vencedores.

Quando nos encontramos alguns dias depois começamos a recordar entre lágrimas episódios da sua vida. Quantas vezes ele nos enganou e quantas outras foi pego por nós mentindo descaradamente. De repente estávamos rindo, como ele nos fazia rir depois de nos irritar. Ele relativizava as coisas e dizia a verdade que não gostamos de ouvir. Vou sentir falta dele, da sua liberdade, das suas observações sutis. Mandava as suas filhas me chamarem de vovô, pensando assim amolecer meu coração e conseguir dinheiro. Éramos amigos, pois se tratava de um relacionamento impossível de acontecer de forma natural. Faz parte agora da nuvem formada por aqueles que já se foram e que tiveram um significativo papel na minha história.

Creio na comunhão dos santos e acredito que ganhei um intercessor no céu. Já pedi sua intervenção em meu favor. O amor de Deus com certeza vai purificá-lo se ainda for necessário depois de tanto sofrimento. Como Lázaro, ele não pode fazer nada por nós, que temos uma responsabilidade pessoal pela nossa vida. Ficará para sempre a pergunta: por que uns conseguem e outros não? Deus sabe e não cabe a nós julgar o nosso irmão. Um dia será a nossa vez e a morte nos igualará a todos. Por isso, deixemos todo orgulho de lado e nos convençamos que somos iguais.

 

ARTIGO DE D. SERGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
JORNAL:  AMAZONAS EM TEMPO
Data de Publicação: 23.07.2017

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