Mães do Brasil

Quando nos anos oitenta visitava os seringueiros do rio Envira sempre me impressionavam as mulheres que organizavam a estadia daqueles que vinham em busca dos sacramentos para si e para seus filhos. Nesta ocasião se realizavam os batizados e casamentos e em muitos lugares se fazia uma festa. A desobriga, como era chamada, se fazia nos barracões, mas com o tempo passamos a parar nas casas, e havia viagens em que entrávamos seringal adentro parando nas colocações. Era preciso que se providenciasse comida e dormida para o padre e seus acompanhantes e para as famílias que vinham inteiras para aquele encontro anual e único.

As pessoas chegavam pela parte da tarde e partiam no outro dia depois do almoço. Eram portanto três refeições. A dona da casa devia organizar tudo. Sal, óleo, açúcar, arroz, café deviam ser encomendados com muita antecedência no barracão ou com os regatões. A farinha devia ser feita e armazenada. A carne era a de caça e, para isto, caçadores experimentados saiam no dia anterior em busca de veados, porcos do mato, pacas, jabutis, e se tivessem sorte uma anta. Se isto não desse certo morriam galinhas e patos do terreiro e ainda se podia apelar para o peixe salgado e seco.

A dona da casa aparentemente sem dizer uma palavra tudo controlava. Em sua grande maioria, naqueles tempos, eram analfabetas mas tinham um controle total quando se tratava de comida. Ela também organizava o tempo e a ordem das refeições, em geral feitas no chão mas com uma dignidade que vi em poucos lugares. Combinava com elas a hora que começaríamos as celebrações a que elas mesmas em geral não assistiam ou só apareciam nos momentos em que era exigida a presença das madrinhas. A noite eram as últimas a virem se confessar. Mais que pecadoras, carregavam as marcas dos pecados dos outros. Só então diziam alguma coisa, talvez porque estavam protegidas pelo segredo da confissão. Durante a festa perdiam o controle sobre maridos e filhos que se embriagavam. Eram mulheres de pouquíssimas ou nenhuma palavra, mas no seu silêncio eram portadoras de vida.

Lembrei-me delas neste ano mariano. Nossa Senhora Aparecida também não falou nada. Não existe nenhuma frase dita a um vidente como em Fátima, Guadalupe e tantas outras. Ela simplesmente está ali providenciando comida e realizando sinais. A imagem pequenina, quebrada e enegrecida também me recordou as mulheres que conheci marcadas pelo tempo, na pele e na alma, mas sempre prontas a lutar pela vida e defender a família. A hospitalidade, a preocupação de receber bem, de ter muita comida e um bom lugar para atar a rede são as marcas da maternidade.

Não sobreviveria sem estas cuidadoras que hoje se chamam Aimée, Vânia, Rosa, Fátima e por aí vai. São as mães do Brasil. Um país que só será grande quando aprender a respeitar suas mulheres, quando ouvi-las, quando não permitir que sejam exploradas, traficadas e prostituidas. Já caminhamos muito, mas ainda há muito preconceito e exploração do corpo e da alma de nossas mulheres. Que a imagem quebrada da Mãe Aparecida nos lembre sempre nossas mães e suscite gratidão, carinho mas, antes de tudo, justiça e respeito.

 

ARTIGO DE D. SERGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
JORNAL: AMAZONAS EM TEMPO
Data de Publicação: 14.05.2017

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