Até duas semanas atrás nunca tinha ouvido falar deste município do Norte do Estado do Mato Grosso. Agora ele está fadado a triste fama de ser o local de mais um massacre de pessoas sem-terra. Os números divergem, mas pelo menos nove pessoas teriam sido assassinadas e a suspeita da autoria dos crimes cai sobre capangas de fazendeiros da região. Não importa o número, que evidentemente deve ser esclarecido, o que choca é que no Brasil ainda ocorram crimes desta natureza. Com um poder judiciário organizado, com juízes, promotores, advogados todos bem formados e bem pagos, com uma legislação moderna, com universidades, cursos profissionalizantes, com serviços estatais informatizados, não se resolve a questão agrária. Ela permanece não resolvida e nada indica que o será num futuro próximo. Os latifundiários insistem em resolver o problema na base da intimidação e da violência e o povo continua a ser expulso para as periferias das cidades.
A sociedade, inclusive a Igreja, envolvida com tantos problemas de segurança já não se escandaliza mais com acontecimentos trágicos como este. Afinal, massacres estão ocorrendo em todo lugar e facções criminosas protagonizam uma verdadeira guerra civil. Corremos o risco de perdermos a sensibilidade e nos acostumarmos com esta volta à barbárie, quando a selvageria se impõem como regra de convivência. A questão fundiária no entanto é paradigmática e já passou do tempo de ser resolvida se quisermos viver num país democrático em que os direitos fundamentais da pessoa humana sejam respeitados. O direito de propriedade é relativo. Tem direito à terra o que mora nela e depende dela para viver. Em seguida o que a faz produzir alimento para si, para os seus e para a sociedade. Títulos cartoriais, heranças e grilagens nunca deveriam ser fonte absoluta de direito à terra. A propriedade privada tem seus limites no bem comum. O que impede que se resolvam estas questões tanto na zona rural como nas cidades? Às vezes parece ser a defesa de uma legalidade que só funciona para quem tem poder econômico e é capaz de pagar advogados e, quando é o caso, contratar jagunços. A lentidão dos julgamentos é espantosa e enquanto isto mais massacres vão ocorrer.
No mês de maio comemoramos o dia das mães. A Terra é a mãe comum de todos os seres vivos. Saída das mãos de Deus, ela não pode ser causa de morte, mas sim fonte de vida. Ninguém é dono absoluto da Terra, estamos aqui de passagem, e mesmo o seu uso é relativo, pois as gerações futuras também tem o direito de encontrar um lugar habitável. Animais, micro-organismos, vegetais, minerais partilham conosco o Universo. A humanidade deve ser humilde e aceitar que é parte da criação, com o risco de destruir o meio ambiente destruir a si mesma. O que está em jogo são duas visões antropológicas bem definidas no cântico que Maria, a mãe de Jesus cantou na casa de Isabel, a do poder e a dos pobres de Javé. Vale a pena meditar o Magnificat nestes tempos sombrios e deixar-nos conduzir por sua inspiração. Que o Senhor derrube os poderosos de seus tronos e dê vida aos humildes. E que a mãe de Jesus seja a nossa inspiração.
ARTIGO DE D. SERGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
JORNAL: AMAZONAS EM TEMPO
Data de Publicação: 07.05.2017