Dom Joaquim de Lange

Na metade do século XX, a Santa Sé erigiu a Prelazia de Tefé e nomeou seu administrador apostólico o Padre Joaquim de Lange que desde o ano de 1946 era o Prefeito Apostólico. Só dois anos depois foi nomeado bispo e ordenado na Praça do Congresso em Manaus durante um Congresso Eucarístico. Antes da sua nomeação ele era missionário em Angola e chegou ao Brasil liderando um grupo de espiritanos holandeses, como são conhecidos os membros da Congregação do Espírito Santo. Eles vinham substituir os franceses que sob a liderança de Monsenhor Barrat já estavam no Médio Solimões, Juruá e Japurá desde o final do século XIX.
Podemos imaginar o entusiasmo dos jovens missionários chegando a Amazônia, seus planos de evangelização, seus sonhos e expectativas. Mas logo perceberam a grandeza do desafio, que começava pela imensidão do território com uma população espalhada ao longo dos rios, lagos e igarapés. Do ponto de vista econômico e social a situação era dramática pois o povo vivia na miséria, totalmente dependente de patrões e gerentes. Os indígenas tinham sido transformados em seringueiros, o que na prática significava escravidão disfarçada. Logo percebeu que teria que criar uma estrutura pastoral diferente. O primeiro passo foi a criação de paróquias, mas a grande virada veio com a adesão da Prelazia ao Movimento de Educação de Base, o MEB, com as escolas radiofônicas e um programa de educação a distância.
O método era o de Paulo Freire e supunha a formação de comunidades e consequentemente de lideranças. Até hoje se pode constatar os efeitos desta ação que foi um verdadeira revolução silenciosa na floresta. Mas esta não foi a única iniciativa do bispo prelado. Atento ao momento histórico que viva apoiou a formação de sindicatos e cooperativas, desde Tefé até a longínqua Itamarati, cidade que literalmente nasceu da missão católica que aí se estabeleceu. Do ponto de vista eclesial, viveu em primeira pessoa o Concílio Vaticano II, tendo participado em todas as sessões como padre conciliar. Os reflexos para a Igreja local foram intensos, o maior deles sem dúvida foi o investimento na formação de leigos e leigas. Quando depois de trinta e seis anos de governo entregou o cargo a seu sucessor, foi para a paróquia de Jutaí, nos confins do território da circunscrição eclesiástica que havia pastoreado tão longamente.
Encontrei-me poucas vezes com ele. A última foi num hospital em São Paulo, onde ele estava internado depois de uma intervenção cirúrgica nos olhos. Não imaginava que um dia seria um de seus sucessores. Já com mais de oitenta anos impressionava pela sua abnegação e austeridade. Era um homem pobre. Por sua mão passou muito dinheiro, todo empregado em favor do povo. Faltava em Tefé um lugar que lembrasse este homem que deu tudo para os outros. Oxalá seu exemplo seja seguido antes de tudo pela igreja, que deve sempre estar a serviço, lembrando que não existe para si mesma. Hoje (2/4), em Tefé, se inaugura um memorial e se faz o lançamento de um livro para preencher esta lacuna. Privilegiado que sou, por ser seu segundo sucessor, estarei lá prestigiando o evento.

 

MATÉRIA DE D. SÉRGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
JORNAL: AMAZONAS EM TEMPO
Data de Publicação: 2.4.2017

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