A Casa da Criança é a cara de Manaus. Não são muitas as instituições de caridade que chegam aos setenta anos de serviço. A maioria vai ficando pelo caminho. As razões são muitas e vão desde a perda dos ideais até a má gestão de recursos, nem sempre fruto da maldade, mas muitas vezes pela ingenuidade dos administradores. Ela passou por dificuldades mas a presença de religiosas abnegadas sempre garantiram e continuam a garantir a fidelidade da casa às intuições de Dom João da Mata, seu idealizador e fundador. As Filhas da Caridade desdobram-se para garantir cada dia o seu funcionamento. Gerações de irmãs viveram ali a sua juventude, outras a idade madura, e outras ainda como uma que, centenária, ali ainda vive, ofereceram as derradeiras forças ao serviço as crianças. Contam com a solidariedade de muita gente e é gostoso escutar as histórias que atestam que a Providência Divina e a generosidade humana não costumam falhar.
Mas os tempos são novos e com eles as novidades. O Estado exercendo suas funções legitimas controla cada vez mais a vida destas instituições, com medidas de segurança, de controle social, com exigências legítimas, mas também com coisas que parecem birra, com uma burocracia que precisa ser alimentada e é um caldo fértil para a cultura da corrupção e do “jeitinho”. Há burocratas que parecem sentir prazer em dificultar as coisas e elaboram verdadeiros tratados para justificar corte de verbas, interdições e outras medidas. O exercício do poder traz grandes responsabilidades. Diante de Deus teremos que responder porque não demos pão a quem estava com fome.
As instituições filantrópicas estão em crise. Às vezes parece que o seu tempo passou e que caridade é coisa anacrônica. Estamos na era dos planos bem elaborados, das metas estabelecidas, de linguagem técnica que só os iniciados entendem. É preciso mostrar resultados em números, demonstrando o custo benefício. Tempo de pensar macro e cientificamente. Mas a vida insiste em acontecer fora das leis e dos estatutos. Aí só a solidariedade funciona e constrói relações de fraternidade e não de clientela. Talvez devamos esperar menos do Estado. Talvez o Estado tenha que arrecadar menos e permitir que a sociedade se organize como quiser. A questão é: quem vai dar de comer a tantas crianças que não nasceram em berço de ouro, a tantos adolescentes em situação de risco, a tantos idosos abandonados?
No Evangelho temos a resposta, somos nós mesmos. Cada um deve assumir a sua responsabilidade pessoal e intransferível. Mas quem tem o poder, que no dizer de um velho político, é quem pode assinar o cheque, tem uma responsabilidade maior. Sejamos criativos na nossa caridade. As pessoas são generosas e como diz o ditado, pouco com Deus é muito. Quem tem fé sabe que o reinado de Deus tem a força da semente. Ele cresce e vira árvore e os pássaros do céu vem pousar nos seus galhos. Assim tem sido com tantas instituições e não será diferente agora. Não percamos a esperança e não permitamos que nos roubem a alegria de servir. E não nos esqueçamos que o que fazemos aos pequeninos é a Ele que o fazemos.
Dom Sérgio Eduardo Castriani – Arcebispo Metropolitano de Manaus
MATÉRIA DE D. SÉRGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
JORNAL: AMAZONAS EM TEMPO
Data de Publicação: 12.03.2017