Não perde a majestade. Este provérbio me veio a lembrança várias vezes quando na semana passada estive em Salvador, a caminho de Tucano, no sertão baiano onde ia animar o retiro de uma congregação religiosa que nestes dias está realizando seu Capitulo Geral Eletivo. Uma congregação brasileira com o simpático nome de Joseleitos de Cristo, isto é eleitos de São José, que há três anos estão em Manaus. Mas voltemos à Salvador.
Desde pequeno sei que é a cidade das trezentos e sessenta e cinco Igrejas, uma para cada dia do ano. Não entrei em todas elas, mas fui na do Senhor do Bonfim que estava apinhada de gente pois era hora de missa, mostrando assim que ali é um lugar onde se vive a fé em Jesus e não é só lugar de turismo. Na Sé me apresentei como arcebispo, e como se fosse uma palavra mágica abriu-me as portas do templo que está em pleno processo de restauração. Uma visita guiada deu a dimensão dos trabalhos, a competência dos restauradores, mas sobretudo o valor histórico daquele lugar e a riqueza, e o fausto dos tempos em que a cidade era a capital da colônia. Na Igreja católica ela continua a ser a sede do Primaz do Brasil. Visitei ainda a Igreja onde está a sepultura da Bem Aventurada Dulce dos Pobres.
Não sei se podemos dizer que é uma cidade católica, e nem se algum dia o foi, mas a arte, a beleza e a riqueza dos altares dão dignidade à cidade. Encontrei-me também com uma comunidade paroquial num dos bairros. Para quem vem da Amazônia a visão dos bairros construídos nas encostas dos morros é impressionante. Como se vive ali? Confesso que ainda não consigo imaginar. No entanto uma coisa é certa: a música não para e parece que a festa não tem fim. É como se a cidade fosse uma grande corte onde os nobres passam o tempo a se divertir. Sei que é só impressão pois, como em qualquer corte, os poucos que podem se dar ao luxo do ócio dependem sempre de um sem número de lacaios e servos. As diversas lavagens, que não entendi muito bem, provocam sempre aglomerações e deixam um rastro de sujeira deplorável.
O povo, que parece estar todo na praia, sobretudo no domingo à tarde, é altivo e transpira liberdade. As baianas tornam o ambiente colorido e festivo. Passar pelo Pelourinho, pelo elevador Lacerda, pelo farol da Barra, pela praia de Itapuã, lugares dos quais eu vejo fotografias desde meus tempos de criança, me dava a sensação de já ter estado ali, na metrópole, numa cidade mãe. Não tive esta sensação nem no Rio de Janeiro, nem em Brasília.
Sei que a vida não é fácil para ninguém em lugar nenhum. Basta escutar um pouco as pessoas que já se fica sabendo dos dramas pessoais e de tragédias familiares. Os problemas sociais são tão grandes como a cidade. Segurança, mobilidade, limpeza, saúde, educação são questões que ainda não foram resolvidas. Mas isto não impede a festa, o carnaval, as rezas e as bênçãos. O querer ficar bonito, cultuando ritmos e cores é mais forte que tudo. Pensei na religião da Bahia, não ouso comentar. Deus com certeza está presente. Parti com desejo de voltar para curtir mais esta cidade que já foi rainha e não perdeu a majestade.
ARTIGO DE D. SÉRGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
JORNAL: EM TEMPO
Data de Publicação: 29.01.2017