Irmãos

Todos acompanhamos os massacres nas penitenciárias e casas de detenção neste início de ano. Os meios de comunicação têm tratado a crise do sistema a exaustão. Se discute a superlotação dos presídios, a terceirização, as facções criminosas que controlam a vida dos presos e até o papel da religião dentro dos presídios. Foram chamados a responsabilidade os diversos atores, a começar pelo Estado, com todo o seu aparato. A população reagiu emitindo opiniões contraditórias. O medo que já estava presente na sociedade aumentou. A crueldade chocou. Constatou-se que o problema não é isolado. Hoje, o tráfico de drogas tem uma estrutura paralela ao Estado que o reprime, mas ao mesmo tempo lhe é submisso. É difícil separar o joio do trigo.

No dia seguinte ao primeiro massacre os agentes da pastoral carcerária se reuniram para ver como agir. A primeira decisão foi fazer uma nota. A segunda foi celebrar uma missa em sufrágio dos falecidos. As razões para a missa foram as mesmas de qualquer missa de sétimo dia: expressar nossa fé na ressurreição de Jesus, estar em comunhão com os falecidos no momento do seu encontro com Deus suplicando o perdão de seus pecados e mostrar solidariedade com as famílias.

Sabíamos desde o início que não haveria uma multidão nesta missa. O medo já se havia instalado nos corações. E depois, quem vai rezar por alma de bandido? E assim aconteceu. Foi uma celebração carregada de emoção. Pouca gente, pelo tamanho da tragédia. Muitas razões para não ir são plenamente justificadas. Mas quando se questiona o fato de se rezar pelos mortos, comparando-os a animais selvagens que mereciam morrer e desejando que fossem direto para o inferno, isto choca e mostra que o sistema penitenciário tem seu fundamento numa visão antropológica que não é cristã.

Na carta aos Hebreus nos é dito que Jesus não se envergonha de nos chamar irmãos e a primeira razão é que ele, o santificador, e os que são por ele santificados são descendentes do mesmo ancestral. Pelo mistério da encarnação o Verbo gerado desde toda a eternidade, nasceu de uma mulher assumindo a condição humana com todas as consequências. E a maior delas é a morte e o sofrimento. Por isso, a consumação da sua obra não poderia ser outra que o caminho da cruz assumido livremente e até o fim. E assim em favor de todos ele provou a morte.

Qual a razão deste amor levado a loucura da cruz? O que é a criatura humana para merecer uma tal redenção? Porque Deus deveria se ocupar e lembrar-se do ser humano? O salmista reconhece que Deus o criou pouco abaixo de si e acima de todas as outras criaturas. Aí temos os fundamentos antropológicos da nossa fé. A pessoa humana é imagem e semelhança de Deus e esta realidade está no seu ser e nada e ninguém pode tirá-la. Na encarnação Deus assumiu a humanidade e o único caminho para encontrá-lo é a humanidade de Jesus.

Não nos envergonhemos de chamar de irmãos e irmãs nem mesmo aqueles que cometeram crimes e delitos graves. A pessoa humana sempre será maior que seus atos. Rezar pelos falecidos é afirmar esta transcendência e isto é sinal de humanidade.

ARTIGO DE D. SÉRGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
JORNAL: EM TEMPO
Data de Publicação: 15.01.2017

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