No ano que vem o tema da Campanha da Fraternidade será: Biomas brasileiros e defesa da vida. O texto base apresenta o objetivo geral da campanha como sendo cuidar da criação, de modo especial dos biomas brasileiros, dons de Deus, e promover relações fraternas com a vida e a cultura dos povos, à luz do Evangelho. O simples fato de escolher este tema para uma ação evangelizadora que nas últimas décadas tem sido o carro chefe da ação pastoral da Igreja católica no Brasil e a cada ano ocasião de interação com a sociedade, mostra como a preocupação ecológica se tornou central no catolicismo, sobretudo depois que o papa Francisco assumiu o ministério petrino de confirmar os irmãos na fé. Não se trata de uma ecologia que elimine o humano, mas de uma visão de natureza como criação de Deus e lugar do encontro amoroso entre o criador e a sua criatura mais sublime, a pessoa humana. Pessoa que produz cultura e faz história.
A constatação de que a vida humana está ameaçada pela degradação da natureza e a constatação da responsabilidade desta geração tem levado a Igreja a se pronunciar e a organizar eventos que visem reverter esta situação dramática. Sabendo que não está só ela tem se juntado a cientistas, organizações não governamentais e estados na busca de soluções. Mas ela sabe que só uma conversão de vida pode mudar o rumo dos acontecimentos. Pode parecer que os pastores estejam querendo ser atuais e ganhar adeptos, num proselitismo barato em que a mensagem religiosa ficasse em segundo plano. No entanto, numa leitura atenta dos documentos pontifícios percebe-se com clareza que esta preocupação tem sua raiz na fé em um Deus criador e redentor. O lema da campanha é tirado do Gênesis: Cultivar e guardar a criação.
Na Amazônia uma das mais belas páginas da história do catolicismos, talvez ainda pouco conhecida, foi o engajamento de comunidades católicas com a preservação da natureza, que resultou na criação de dezenas de unidades de conservação e a criação de um modelo sustentável de desenvolvimento, ainda incipiente, mas que aponta caminhos para o futuro. Nos anos oitenta quando os seringais entraram definitivamente em declínio, as populações da floresta tiveram duas alternativas, migrar para as cidades, em especial para Manaus, ou permanecer no interior, mudando o sistema de produção. A necessidade de ter o que comer e ao mesmo tempo ter um excedente para fazer algum dinheiro, levou primeiro a defesa dos lagos e depois a prática de uma agricultura familiar. Este movimento foi assumido e em muitos lugares liderado pelas comunidades que se formavam a partir de uma nova visão de Igreja. A fé celebrada e vivida, a Palavra refletida a partir da realidade, o ideal comunitário foram um chão fértil para o movimento de preservação que viu na criação das reservas a condição para que tudo acontecesse. Mais tarde vieram os técnicos e os cientistas e o Estado através dos seus agentes tomou conta do processo. Testemunhar este movimento foi uma das graças que recebi na minha vida. Vida concreta, material, base onde se sustenta a vida espiritual. Lutar e defender esta vida é um imperativo da fé.
ARTIGO DE D. SÉRGIO EDUARDO CASTRIANI – Arcebispo Metropolitano de Manaus
JORNAL: EM TEMPO
Data de Publicação: 20.11.2016