Um dos nossos padres, missionário há oito anos na Arquidiocese de Manaus recebeu no seu telefone uma mensagem clara de ameaça de morte. Só quem já viveu esta experiência sabe o que isto significa. Procurou os bispos e algumas pessoas da comunidade para saber o que fazer. Logo vimos que podia se tratar de coisa séria e decidimos que a polícia devia ser procurada. Queríamos saber se era algo realmente grave ou se se tratava de uma brincadeira de mau gosto. Feito o boletim de ocorrência, a autoridade policial foi muito clara, tratava-se sim de uma ameaça real e até se sabia de onde teria partido. O padre foi aconselhado a deixar imediatamente a área pois o risco era grande. Assim foi feito.
Uns dias depois fui comunicar a comunidade as razões da saída do sacerdote. Foi um dia difícil pois as pessoas exprimiam a dor da separação, a impossibilidade de se despedir, a incerteza quanto ao futuro. Por outro lado foi confortante ver o fruto do trabalho do missionário pastor, traduzido num desejo muito grande de permanecer em comunhão e continuar a obra de evangelização naquela parte da cidade. Nas conversas com o padre ele insistiu em dizer que levaria as lembranças, não dos últimos dias depois da ameaça, mas dos anos de convivência com um povo acolhedor, com uma Igreja viva e atuante, com comunidades que evangelizam.
Este evento foi mais um na longa lista de ameaçados e executados pelo tráfico de drogas. Indo morar praticamente no meio deles, certamente o padre incomodou. Basta uma palavra, um gesto, uma visita, para que os senhores da morte se sintam ameaçados, e a sua única reação só pode ser matar, pois esta é a sua lógica e o seu horizonte. Senti a impotência do Estado que não pode garantir a segurança dos cidadãos. Mas não é só uma questão policial. Perto da casa do missionário há uma série de becos que levam a um igarapé poluído. Se houvesse saneamento básico a bandidagem teria um pouco mais de dificuldade.
A violência e o medo fazem parte da vida de nossos bairros. Meus sentimentos são ambíguos e confusos. De um lado sinto orgulho da Igreja que sirvo quando ela profeticamente denuncia pela sua presença e forma de agir a cultura de morte que se estabeleceu nas nossas periferias e quando nossos agentes partilham a vida do povo e são solidários com os que sofrem humilhações de toda ordem e são diariamente ameaçados, roubados e assaltados. Como cidadão e como bispo me sinto envergonhado quando não conseguimos garantir a segurança de um estrangeiro que veio simplesmente nos ajudar. O que dizer para seu povo, sua família, seus amigos? Só nos resta dizer obrigado e desculpe-nos. O Brasil não é só isto.
Por razões de segurança, mas também de respeito pelas pessoas maravilhosas que vivem nos nossos bairros não coloco nomes. Nossas comunidades são lugares de vida e de resistência. São profecias vivas de que um outro mundo é possível. São espaços de bem aventurança. No final da reunião, partilhando o lanche, que mesmo naquela situação não poderia faltar, entendi a felicidade dos que são perseguidos por causa da justiça. Estamos no caminho certo.